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Revista Novedades en Población

versão On-line ISSN 1817-4078

Rev Nov Pob vol.10 no.19 La Habana jan.-jun. 2014

 

ENSAYO

 

Evolução das telecomunicações e integração territorial do Brasil

 

Telecomunications evolution and territorial integrationin Brazil

 

 

Paulo Fernando Jurado da SilvaI

I Universidade Estadual Paulista (UNESP), Presidente Prudente, São Paulo, Brasil.

 

 


RESUMO 

O objetivo do trabalho é analisar as telecomunicações no processo de integração territorial do Brasil, levando em conta seu papel nas transformações socioespaciais, contribuindo em seus resultados para a compreensão geográfica desse universo que remonta em termos iniciais à época monárquica no Brasil e se estende aos dias atuais com o fenômeno da privatização. Ao longo da história, as telecomunicações no país apresentaram diferentes configurações no uso do território. Em alguns momentos o Estado esteve mais presente controlando e monopolizando o setor e em outros se manteve como ente regulador e fiscalizador, apoiando a sua concessão e privatização. Nesse sentido, a interpretação foi construída por diferentes procedimentos metodológicos, dentre os quais é relevante mencionar a leitura de obras de referência do assunto, avaliação de dados secundários que foram sistematizados e interpretados a partir da discussão geográfica; coletados em instituições públicas a exemplos de bibliotecas acadêmicas, na mídia especializada sobre assunto e em outros meios. Assim, entender esse quadro de apropriação do território é fundamental para revelar as desigualdades socioespaciais, engendradas a partir do movimento de adensamento do meio técnico-científico-informacional. Diante disso, a proposta deste trabalho está relacionada à necessidade de ampliar, na Geografia, a discussão das telecomunicações. Por fim, espera-se com o texto oferecer subsídios para a caracterização do tema; realçando algumas das variáveis relacionadas a esse contexto, bem como determinadas políticas territoriais do Estado. 

Palavras-chave: telecomunicações, desigualdades socioespaciais, transformações socioespaciais. 


ABSTRACT

The objective of this paper is to analyze the telecommunications in territorial integration process in Brazil, taking into account their role in socio-spatial transformations, contributing their results to the geographical understanding of this universe dating back initially to monarchic period in Brazil and extends to the days current with the privatization phenomenon. Throughout history, the telecommunications in the country showed different patterns in the use of the territory. In a few moments the state was more present controlling and monopolizing the sector and others remained as the regulator and supervisory, supporting their concession and privatization. In this sense, the interpretation was built by different methodological procedures, among which is relevant to mention reading reference works on the subject, evaluation of secondary data which were systematized and interpreted from the geographical discussion; collected in public institutions like academic libraries, in the specialized media and other means. Therefore, understand this situation of appropriation of territory is essential to reveal the inequalities socio-spatial engendered from the movement of consolidation of the technical-scientific-informational. Therefore, the aim of this work is related to the need to expand, in Geography, a discussion of telecommunications. Finally, it is expected with the text offer subsidies for the characterization of the subject, highlighting some of the variables related to this context, as well as certain policies of the territorial State.

Keywords: telecommunications, socio-spatial inequalities, socio-spatial transformations. 


 

 

As telecomunicações como problema geográfico 

Escrever sobre telecomunicações é uma questão que já preocupou diferentes pesquisadores brasileiros da Geografia e de áreas afins a exemplo da Sociologia e da Economia. Basicamente, é um tema que foi inaugurado com maior ênfase nas ciências humanas no século XX ao acompanhar as transformações e avanços mundiais da comunicação, informação, engenharia e de exploração do espaço sideral com o lançamento de satélites e de outros objetos técnicos.

As telecomunicações poderiam ser, portanto, referenciadas como um tema geográfico importante porque seus estudos se relacionam a uma proposição, assunto que se pretende desenvolver, elaborar e construir analiticamente. Com isso, tal expressão pode elevar-se ainda a um conceito quando se coloca um conjunto de ideias para tentar discutir essa realidade e que estão inseridas no âmbito de uma teoria, a exemplo daquilo que foi produzido por Milton Santos como investigador da sociedade, das técnicas e do espaço.

Assim, não se deve negar o papel da informação e das telecomunicações na organização do território, em distintas partes do mundo. No Brasil, essa afirmação tem ganhado cada vez mais importância ao verificar as transformações socioespaciais que o país vem passando nos últimos anos, com a ampliação da densidade técnica, científica e informacional.

Consequentemente, o território físico ganha novos condicionantes produzidos pela sociedade que o edificou em distintos momentos e se passa a falar em cyber espaço, sociedade em rede, entre outras expressões utilizadas na tentativa de caracterizar as mudanças colocadas em curso por meio da Terceira Revolução Industrial e do papel que a informação assume, especialmente a partir da década de 1970 como destacaram, em diferentes contextos teóricos, autores como Lojkine (1995), Castells (1999), Moreira (2000), Santos (2008), entre outros.

Nesse sentido, vale ressaltar que o presente artigo faz parte da tese de doutorado do autor que está sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), com o título: "Nas ‘ondas’ da informação: interfaces entre o Pensamento Geográfico e a Geografia Econômica para o estudo das telecomunicações no Brasil", sob a orientação do Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito.

O documento tem como objetivo principal analisar as telecomunicações no Brasil no sentido de propor uma leitura geográfica da sua evolução ao longo ao longo do tempo no processo de integração territorial do país.

Para o cumprimento deste objetivo a pesquisa contou com os seguintes procedimentos metodológicos:

I) Levantamento, revisão e leitura de textos relacionados ao assunto, tendo como base conceitual e teórica a leitura de materiais em meio eletrônico ou impresso. Os mesmos foram obtidos com base na consulta do acervo de bibliotecas acadêmicas, bem como na pesquisa de campo na sede da ANATEL no Distrito Federal e no escritório regional em São Paulo.

II) Coleta de dados secundários e informações relacionadas ao tema tratado em sítios eletrônicos de consultorias de telecomunicação, sítios institucionais de companhias privadas que operam no segmento no país, mídia especializada (jornais e revistas de grande circulação) etc.

III) Análise documental e de conteúdo do material encontrado no levantamento bibliográfico, bem como debate e reflexão sobre os assuntos abordados com pesquisadores da área.

Depois de realizado tais etapas buscou-se sistematizar os resultados obtidos na forma desse trabalho e que estão inseridos parcialmente na tese do autor que ainda encontra-se em elaboração.

Nesse quadro é que se insere a contribuição da investigação ao possibilitar a leitura do tema, tendo em vista as transformações socioespaciais decorrentes do processo de modernização e ampliação da densidade técnica no país. Os resultados alcançados são, portanto, diversos e expressam de maneira sintética uma realidade complexa, permeada por particularidades e especificidades.

Antes, o Estado brasileiro detinha o monopólio das telecomunicações (especialmente no setor da telefonia móvel e fixa). A abertura maior ao capital externo e a flexibilização das leis relacionadas ao assunto só foram ocorrer no governo de Fernando Henrique Cardoso.

A Lei Geral das Telecomunicações 9.472 de 1997 foi o mecanismo que determinou o novo modelo de funcionamento institucional, além da criação da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), de planos de outorga e concessão, bem como do novo esquema tarifário, sendo que as antigas subsidiárias da Telebrás (Telecomunicações Brasileiras S/A) foram organizadas em empresas de telefonia celular e fixa, o que se por um lado gerou dinamismo e vendas, por outro trouxe problemas de ordem técnica, como compartilhamento de infraestruturas e redes entre cidades, regiões e estados.

Finalmente, vale ressaltar que a empreitada não é fácil, principalmente, pelo fato de que essa pesquisa apoia-se, especialmente, no universo qualitativo, bem como no domínio teórico sobre o assunto e, para tanto, espera-se oferecer contribuição sintética para esse debate, haja vista a sua amplitude e complexidade.

Evolução das telecomunicações no processo de integração territorial do Brasil

A formação socioespacial brasileira apresenta características de desenvolvimento desigual e combinado. A implantação de determinadas infraestruturas técnicas historicamente esteve relacionada aos locais onde há maior circulação de pessoas, bens e dinheiro, o que tem uma repercussão direta na forma como é produzida e organizada as telecomunicações no território. Do litoral ao interior as diferenças econômicas e materiais são visíveis, demonstrando a concentração e a dispersão, a pobreza e a riqueza, a monumentalidade e a fealdade, a comunicação e a ausência de sinal.

Assim, Tozi (2005) é um dos autores que se preocupam com o debate do território. Tal autor tendo como referência Castillo (2003) escreveu que há: 

 

(...)três atos da integração do território brasileiro, a partir da difusão de objetos técnicos que se sucedem desde a segunda metade do século XX. A radiotelegrafia e a aviação seriam os vetores do primeiro ato da integração proposto, uma vez que são as formas mais rápidas e eficazes, nesse momento histórico, de se manter a integridade e a integração do território brasileiro, exigindo, também, menos infra-estruturas. O rodoviarismo e a telefonia caracterizam o segundo ato da integração. As rodovias possibilitaram integrar as grandes regiões do Brasil aos centros de comando político e econômico do território, enquanto que a telefonia é nesse momento estatizada e centralizada, ou seja, a variedade de pequenas numerosas empresas até então existentes é transformada em patrimônio público e integrada aos projetos estatais. Já o terceiro ato ou atual paradigma da mobilidade geográfica (ibidem: 8) traz a incorporação das tecnologias da informação aos sistemas técnicos de fluxos materiais e imateriais. (Tozi, 2005, p. 45 e 46).

Tecnologias da informação que se vinculam aos ciclos de inovação da economia e que se relacionam presentemente à terceira revolução industrial como compareceram em diferentes momentos nas reflexões de Mamigonian (1999) e Silveira (2003) ao se reportarem ao estudo de Kondratieff e sua contribuição para a interpretação da Economia e da Geografia.

No começo, o Brasil apresentava uma formação cuja configuração em termos econômicos de interação espacial assemelhava-se a ilhas e arquipélagos. Na realidade, havia pouca ligação entre as cidades e a ocupação era praticamente circunscrita às regiões litorâneas e faixas adjacentes, com reduzida abertura para o interior.

Mamigonian (2009, p. 50-51) baseando-se em Rangel (1968) a esse respeito forneceu os elementos interpretativos para a análise do período, visto que:

O Brasil chegou até o século XX "sob forma de um imenso território muito desigualmente ocupado e apresentando quase que exclusivamente ao longo da costa formações econômicas regionais, geralmente estruturadas em torno de um porto-empório, orientadas mais para o comércio exterior do que para o comércio com outras regiões, tendo cada uma como espinha-dorsal um sistema regional de transportes, o qual servia de base a um esquema regional de divisão social do trabalho", conforme assinalou Ignácio Rangel. 

Antes, determinadas cidades tinham maior interação com o exterior do que com núcleos urbanos na dimensão nacional. Além disso, não havia transporte terrestre na forma de automóveis como conhecemos hoje, o que dificultava, por outro lado, os deslocamentos das pessoas e, consequentemente, a troca de bens, serviços e matérias-primas entre as unidades administrativas de cada região.  Porém, vale frisar que essa configuração paulatinamente foi sendo alterada com a introdução de diversas inovações técnicas.

Por Jouffroy e Fitch, por exemplo, na década de 1790 foi colocada em curso a navegação a vapor no Brasil, sendo que esta só foi tornar-se mais regular no século XIX. Tal evento favoreceu a circulação do Pará ao Rio Grande do Sul; abrangendo rios como São Francisco; Amazonas e seus afluentes Madeira, Tocantins e Negro; Rio da Prata; Paraguai e Paraná, além de outros importantes corpos hídricos do país. Nesse sentido, é válido ressaltar que essa configuração paulatinamente foi sendo alterada com a introdução de diversas inovações técnicas.

As estradas de ferro também trouxeram mudanças significativas no final do século XIX. Tal evento favoreceu, sobretudo, o escoamento de mercadorias e pessoas, além de propiciar a integração e dinamização do território. Possibilitou, consequentemente, o nascimento de diversas cidades, ocupação do interior distante da capital paulista e o escoamento da produção cafeeira ao porto de Santos, rumo à exportação; o que fez abalar até, então, a hegemonia econômica carioca.

O telégrafo foi outro evento e inovação da técnica importante para integração territorial, sendo que a primeira linha instalada oficialmente no país se constituiu na cidade do Rio de Janeiro por volta de 1852, no Palácio do Imperador Dom Pedro II, Paço de São Cristovão. Segundo Dias (1995, p. 36): "En 1866, les lignes telégraphiques terrestres présent aient déja une étendue de dix mille kilomètres, reliant les principales villes des régions sudeste et sud du pays". Deste marco em diante, outras linhas telegráficas foram implantadas, favorecendo a ampliação de fluxos informacionais.

Marechal Cândido Rondon foi um dos grandes disseminadores dessa tecnologia da informação no território nacional que acompanhavam de certa maneira o traçado de estradas. "Rondon participou da interiorização telegráfica durante três décadas, de 1890 a 1922, percorrendo 17.000 quilômetros (...)" (Brandão, 1996, p. 53).

Já no que diz respeito ao telefone pode-se afirmar que o seu estabelecimento inicial se deu no Rio de Janeiro em 1877, ligando a residência imperial até a sala dos ministros e em 1889 era autorizada a construção de linha telefônica do Rio de Janeiro a Niterói.

Depois desse período sucessivas instalações telefônicas foram sendo efetuadas, onde havia especialmente grande circulação de capital e pessoas, a exemplo dos centros nascentes emergentes polarizadores como São Paulo. "Já na década de 1920, o serviço telefônico abrangia pequenas parcelas das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, entretanto, só começa a ganhar força no país na metade do século XX" (Iozzi, 2006, p. 19).

No começo do século XX segundo Brandão (1996) empresas estrangeiras como a Siemens (1895), Ericson (1900), Sesa-ITT (1908), Philips (1920) passaram a operar no país com escritórios próprios. A Siemens criou até mesmo subsidiária com a finalidade de promover a importação de equipamentos, por volta de 1905. Contudo, só foi na década de 1920 que as demais concorrentes passaram a adotar tal estratégia.

Pouco a pouco as dificuldades de integração técnica do território foram sendo vencidas, com o avanço da urbanização, da industrialização o que foi conferindo ao território novos usos e o integrando cada vez mais ao domínio do capital e a formação de um mercado.

A circulação por via rodoviária também favoreceu a expansão da técnica. O governo do Estado de São Paulo criou em 1920 o primeiro plano rodoviário do país. Durante as guerras mundiais as ferrovias passaram por um processo de decadência em razão de problemas com a importação de equipamentos e combustíveis, favorecendo a corrente a favor das rodovias em Estados como Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, sendo que o plano rodoviário foi instituído em 1944.

Mas, foi no governo de Getúlio Vargas que as transformações foram se processar de modo a integrar o território. Com isso, "a extinção das barreiras à circulação de mercadorias entre os Estados da União marcou um avanço fundamental no processo de integração econômica do espaço nacional. Faltavam porém outras variáveis de sustentação, entre elas uma rede nacional de transportes" (Santos y Silveira, 2006, p. 42).

No governo do presidente Getúlio Vargas (1930-1945), o Brasil se integra economicamente (no sentido da formação de um mercado consumidor nacional) e, paulatinamente, são dadas as condições para que a indústria de base fosse criada e se dinamizasse; fomentando uma política industrial que atendesse aos interesses do chamado desenvolvimento nacional.

A rodovia Rio-Bahia, por exemplo, da década de 1940 é a materialização da primeira conexão entre o Sudeste e Nordeste do país. Nesse processo a participação do capital estrangeiro foi relevante, visto que: "Dans une association étroite avec le capital étranger, l’Etat prend en charge l’infracstruture routière et desire une nouvelle géographie de la circulation dans l’espace brésilien" (Dias, 1995, p. 52).

Ainda segundo essa autora, as redes rodoviárias asfaltadas possibilitaram o fortalecimento de novas redes urbanas regionais. A integração econômica e física do território fortaleceu, por outro lado, a intensificação dos fluxos migratórios oriundos da região Nordeste em direção a São Paulo.

Diversas transformações socioespaciais foram processadas na década de 1950 no território nacional como a construção de Brasília, instalação da indústria automobilística, criação e implantação de usinas hidroelétricas, construção de rodovias, ampliação da urbanização e da industrialização. Nesse contexto, a exploração da telefonia fixa era prestada, em geral, por empresas privadas no plano do município e quando se tratava da escala intermunicipal geridas pelo Estado.

Inovações essas que foram aceleradas no governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) com a implantação do programa Plano de Metas. Este tinha como objetivo ampliar e fortalecer o crescimento econômico do país, especialmente, nos setores de energia, transporte, educação, alimentação e indústria de base, com a construção de grandes projetos nacionais como a criação da capital político-administrativa federal, no planalto central.

Tal plano apesar de ter trazido grandes benefícios em termos de infraestrutura técnica ao país, aumentou, por outro lado, a dívida externa. Porém, foi a partir da liberalização econômica que o parque industrial nacional se diversificou e São Paulo mais uma vez é beneficiada com a construção de indústrias de bens duráveis.

Ainda no começo da década de 1960 o campo da telefonia tinha como principais prestadoras de serviços empresas que nutriam vínculo com o capital internacional como é o caso da Companhia Telefônica Nacional, subsidiária da International Telephone Telegraph, de origem estadunidense com atuação no Paraná e Rio Grande do Sul, bem como a Companhia Telefônica Brasileira que era subsidiária da Canadian Tractions Light and Power Company com operações em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ademais, havia uma gama muito ampla de pequenas empresas com atuação em território nacional e com menor influência espacial e econômica, se comparada às maiores citadas.

Já no governo de João Goulart foi criado o Código Brasileiro de Telecomunicações, na forma da Lei 4.117, em agosto de 1962. A aprovação desse código possibilitou o disciplinamento da prestação de serviços, bem como colocava o segmento sob o controle federal, organizando um sistema de tarifação próprio e o planejamento naquilo que se poderia considerar como Sistema Nacional de Telecomunicações (STN). Além disso, tais mudanças foram acompanhadas pela criação do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL), vinculado diretamente à presidência da república e do Fundo Nacional de Telecomunicações (FNT). Sobre o assunto, Dias descreveu que: 

 

 L’intervention commence en 1962 quand le congress national vote le Code des Télécommunications. Les principals resolutions du code prévoyaient: a) la mise en place d’un Système National de Télécommunication; b) la creation du Conseil National de Telecommunications (CONTEL), directement relié au Présidente de la République, afin d’appliquer la politique génerale; c) l’institution des Fonds National des Télecommunications (FNT), don’t les resseurces proviennent d’une surtaxation de 30% perçu sur les services de telecommunications; d) la formation d’une entité autonome ayant statu d’entreprise publique, pour installer et entretenir les services inter-urbains et internationaux. (Dias, 1995, p. 77).

Já na ditadura militar foi feita uma aliança entre militares e a ciência técnica. Foi estruturada a política nacional de telecomunicações e depois desencadeada a nacionalização da Companhia Telefônica Brasileira. Por conseguinte, com grandes dificuldades foi criada a EMBRATEL (Empresa Brasileira de Telecomunicações) com o claro objetivo de modernizar o segmento das telecomunicações. Isso porque havia alguns grupos pertencentes ao governo que eram favoráveis à aliança com concessionárias estrangeiras e outro bloco formado por militares e pelo Conselho Nacional de Telecomunicações que apoiavam a criação de uma empresa pública.

Com isso, a estatização das empresas privadas no processo de reestruturação das telecomunicações passa a ser um imperativo na formação de um sistema nacional de telecomunicações, sendo levadas a cabo essas ações às últimas consequências nos governos militares. Este regime por seu turno passou a criar instrumentos legais e mecanismos para dinamizar tal processo e definitivamente patrocinar o desenvolvimento, aprimoramento e modernização do segmento. Um dos grandes passos tomados nessa direção foi a reforma ministerial de 1967 que possibilitou a criação do Ministério das Comunicações, pelo Decreto-Lei número 200 e, por fim, a Telebrás (Telecomunicações Brasileiras) em 1972.

À União competia explorar os serviços de telecomunicações e autorizar a sua concessão e efetiva autorização. Já em 1968 é inaugurada a Rede Nacional de Microondas e o Sistema de Transmissão de Satélites e pouco a pouco foram sendo dados os passos para a comunicação no plano internacional, por satélites e a configuração do sistema de DDD - Discagem Direta à Distância.

Tal processo de reestruturação das telecomunicações brasileiras possibilitou a organização do sistema nacional e a modernização técnica do segmento. Além disso, ofereceu as condições necessárias para a alteração de paradigma que vigia no mercado, baseada somente na ação isolada e pulverizada de empresas privadas no território.

De certa maneira, tais avanços trouxeram como principais benefícios o investimento em inovação, a instalação de um sistema telefônico integrado nacionalmente e posteriormente a concessão de operação de mais canais de TV. Era um privilégio para poucas emissoras gozar de cobertura nacional como a Globo e a Bandeirantes. "Foi nesses anos que se constituiu o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), graças a utilização de um transponder do Brasilsat 2" , e logo: "O caminho para diversificação das redes nacionais de emissoras de televisão no país estava aberto" (Santos y Silveira, 2006, p. 75).

Contudo, esse padrão de transformações no segmento revelou-se esgotado, especialmente nas décadas de 1980 e 1990 quando se tornou alvo do ideário privatista da época. Nesse período, a indústria de equipamentos voltada às telecomunicações se comportou ociosamente e os investimentos do Estado passaram por uma redução considerável, se comparados ao período da ditadura militar.

Na década de 1980, o Estado perde a capacidade de financiar o desenvolvimento econômico nacional. O país é sacudido pela crise da dívida externa e pelo processo de transição política nacional com a queda da ditadura militar.

Tal panorama é aprofundado nos governos Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) onde parte das empresas estatais é leiloada ao capital internacional e nacional privado; favorecendo os grupos de interesse ligados à sustentação de políticas neoliberais e um plano de enxugamento da máquina pública, o que se traduziu na desestatização e na redução das políticas públicas voltadas ao crescimento econômico. Nas palavras de Brandão:

 

A real história da desorganização fiscal-financeira do setor público brasileiro é a de um Estado bancador em última instância do padrão de desenvolvimento capitalista no País, que levou às derradeiras consequências, na crise que se prolonga desde o final dos anos 70, seu histórico papel de mobilizador de recursos, transferidor de fundos e, acima de tudo, socializador de perdas; além de agente da regulação macroeconômica e investidor direto, terminou por se tornar o mutuário final que arcou com todo o ônus e os riscos do ajustamento do setor privado na "década perdida". Colapsa totalmente sua capacidade de gasto e iniciativa, se tornando refém do setor privado líquido e imobilizado em sua ação reguladora e estruturante. (Brandão, 1996, p. 115 e 116).

Nesse sentido, a década de 1990 foi marcada fortemente pela abertura ao capital estrangeiro e ao ideário das privatizações. A inflação foi controlada e as políticas de controle fiscal colocadas em curso. Onda essa que golpeou diversos países da América Latina e que colocou em cena a competição no uso corporativo do território por uma parcela de oligopólios internacionais em consórcio, muitas vezes, com o capital nacional.

As telecomunicações, nesse quadro, foram desestatizadas e grandes grupos passaram a atuar no mercado com estratégias de ação espacial complexa e atreladas a movimentos em escala global de investimento, visando à extração da mais-valia em escala ampliada. Houve, com isso, a venda do Sistema Telebrás aos interesses privados, levando em conta uma regionalização artificial do território baseada na rentabilidade que os serviços poderiam oferecer às companhias operadoras.

Nesse contexto, três leis aprovadas no congresso tiveram papel decisivo para a abertura do mercado e para aceleração do processo de privatização, a saber: I) Lei Específica, ou seja, a Lei 9.295 (Lei Mínima) de 19 de julho de 1996 que autorizava a prestação de serviços via satélite, redes corporativas, trunking and paging, telefonia móvel celular (inserida na banda larga B) para exploração pela iniciativa privada; II) Lei de concessões de serviços públicos por meio da aprovação da Lei 8.987 de 13 de fevereiro 1995, aplicada aos serviços de telefonia móvel celular; e, por fim, III) Lei 8.977 de 6 de janeiro de 1995, também conhecida como Lei da TV a Cabo, que definia a regulação do segmento e impunha diretrizes para concessão desse tipo de serviço no mercado nacional.

Contudo, a lei que definitivamente providenciou a desestatização do sistema de telecomunicações brasileiro foi assinada em 16 de julho de 1997, ou seja, a Lei 9.472 que ficou conhecida como Lei Geral das Telecomunicações, amparada pelo Plano Geral de Outorgas, sob o decreto número 2.534 de 2 abril de 1998 e pelo Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado em caráter público, por meio do decreto 2.592 de 15 de maio de 1998.

Nesse contexto, para gerir esse novo regime de exploração dos serviços de telecomunicações foi criada a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), por meio do artigo 8 da Lei Geral de Telecomunicações. Sua regulamentação se deu pelo decreto número 2.338 de 7 de outubro de 1997 com sede no Distrito Federal e vinculando-se ao Ministério das Comunicações.

Funcionando como autarquia especial a agência é financeiramente autônoma e possui caráter administrativo independente. Suas decisões só podem ser contestadas por via judicial e os responsáveis pela sua direção possuem mandatos fixos e mantidos com certa estabilidade. Com a criação dessa agência, o Ministério das Comunicações passa a ter seu papel reduzido no cenário das telecomunicações.

Conforme Tozi (2005) o território foi preparado no campo normativo e técnico para o uso corporativo na instância privada, associando-se ao contexto cotidiano das pessoas de que o processo seria bom, na tentativa de promover o convencimento popular e, portanto,

 

O discurso criado para sustentar a privatização parte da idéia de que os serviços públicos cuidados pelo Estado são ineficientes e de que as empresas privadas podem realizá-los com maior eficiência, ou seja, adotam o pressuposto de que o mercado é um ente perfeito, e que a alocação dos fatores pelo mercado é ótima e eficiente. São ações fundadas numa teoria estática, baseada na concorrência perfeita e em pretensas leis universais que ignoram as situações reais das formações sócio-espaciais. Outro ponto a ser destacado é que o Estado, nesse discurso construído, deve agir unicamente corrigindo as falhas no equilíbrio do mercado. A economia neoclássica, portanto, parte da idéia de que há dois agentes principais: os produtores, que objetivam maximizar a renda e o lucro e os consumidores, que satisfazem suas necessidades e aos quais cabe o prazer do consumo (com base em Cano, 2002). (Tozi, 2005, p. 115)

 

Às pessoas foi colocada a ideia de que os serviços seriam barateados, os custos para instalação cairiam e que esse processo levaria futuramente a uma universalização das telecomunicações no Brasil. O território, nessa concepção, se torna um recurso e pode ser vendido as grandes corporações para legitimar as normativas da iniciativa privada e das leis de livre mercado.

Nessa perspectiva, a desestatização das telecomunicações no Brasil teve como resultado direto a divisão das Telebrás em grandes holdings telefonia fixa local e celular. Tal aprovação para divisão da Telebrás ocorreu em abril de 1998 e o leilão em 29 de julho de 1998.

Além disso, esse modelo de leilão teve como resultado geográfico a produção de desigualdades socioespaciais, acompanhadas pela distribuição de diferentes empresas privadas no país e com forte internacionalização do capital.

Desse novo marco regulatório em diante pode-se compreender as telecomunicações estruturadas em três grandes segmentos de abrangência. Haveria os serviços de telecomunicações que representam as empresas concessionárias e com autorização para a exploração dos serviços de telecomunicações; o segmento dos produtos e serviços para as prestadoras de serviços que são, em geral, fornecedores de equipamentos para as empresas que atuam nos serviços de telecomunicações; e, por fim, o segmento de valor agregado que é representado pelas empresas que prestam serviços e suportam as telecomunicações no território brasileiro.

Nesse sentido, vale ressaltar que as empresas vencedoras do leilão da Telebrás têm contratos de concessão com o Estado por meio da aprovação da Anatel. Além disso, em 2003, houve algumas alterações em algumas das cláusulas desse processo e os contratos renovados com vigência estipulada de 2006 a 2025.

Mediante a interpretação do quadro das telecomunicações no Brasil verifica-se que a sua devida compreensão perpassa pelo estudo das empresas privadas e suas ações/estratégias espaciais, bem como pelo papel do Estado como ente regulador do processo. Dessa maneira, há uma grande pulverização de corporações operando e com diferentes territórios que às vezes tendem a se sobrepor, dependendo da lógica de atuação das mesmas.

A geografia, nesse cenário, tem total importância para revelar as contradições desse processo, descrever a relação dessas empresas no uso do território e expor de forma clara os interesses envolvidos na busca pela ampliação do lucro.  Os interesses tendem a serem os mais variados possíveis, demonstrando competitividade pelo acesso às inovações disponíveis no mercado, embora os serviços prestados ainda sejam alvo de muitas reclamações por parte dos consumidores que se sentem, em alguns casos, lesados por parte dessas empresas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os fenômenos das telecomunicações representam um evento de grande complexidade e analisa-lo a partir da Geografia requer, sobretudo, a leitura da formação socioespacial brasileira e a interpretação das desigualdades e transformações socioespaciais.

Trata-se, portanto, de uma reflexão ampla que envolve tanto a compreensão da ação do capital privado quanto do Estado como ente regulador desse processo. Diversos são os trabalhos na área de Geografia que tem se proposto de diferentes formas a este tipo de desafio, embora de temáticas variadas e com recortes diversos.

Nesse texto, o assunto privilegiado foi a interpretação da implantação das infraestruturas técnicas de telecomunicações no país e que possuem íntima vinculação com as políticas territoriais desencadeadas pelo Estado, bem como pelas estratégias de ação espacial das corporações.

Por último, é válido frisar que tal discussão não se esgota nesse documento, haja vista a sua amplitude e, dessa maneira, espera-se ter contribuído para um debate extremamente rico do ponto de vista conceitual e que ainda encontra-se em construção a partir do movimento da sociedade e da argumentação elaborada para sua definitiva explicação.

 

REFERENCIAS

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Recibido: 28 de enero de 2014
Aceptado: 25 de marzo de 2014

 

 

Paulo Fernando Jurado da Silva. Doutorando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Presidente Prudente.E-mail: pfjurado@uol.com.br

 

 

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