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Revista Universidad y Sociedad

versión On-line ISSN 2218-3620

Universidad y Sociedad vol.15 no.1 Cienfuegos ene.-feb. 2023  Epub 27-Feb-2023

 

Artículo Original

São todos bem-vindos? Uma análise comparativa das políticas de inclusão de refugiados e imigrantes em universidades da região sul do Brasil

¿Son todos bienvenidos? Un análisis comparativo de las políticas de inclusión de refugiados e inmigrantes en universidades de la región sur de Brasil

Luise Bittencourt Peres1  * 
http://orcid.org/0000-0002-8560-457X

Sebastião Ailton da Rosa Cerqueira-Adão2 

Carolina Freddo Fleck2 

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS/Bolsista CAPES - Porto Alegre - Brasil

2Universidade Federal do Pampa - Unipampa - Santana do Livramento/RS - Brasil

RESUMO

Este estudo objetivou analisar quais as políticas de inclusão de imigrantes estabelecidas nas universidades federais brasileiras da região sul do país. Do ponto de vista metodológico, foi realizado um estudo documental comparativo entre as três universidades da região que possuem convênio com a Cátedra Sérgio Vieira de Mello e processos seletivos especiais para esta população. Identificou-se que os processos são distintos em relação à apresentação das documentações exigidas e nos critérios de seleção. Quando há a obrigatoriedade de apresentar o documento de equivalência do ensino médio, bem como os documentos traduzidos e a comprovação da proficiência de português, o processo torna-se um pouco mais burocrático e pode vir a dificultar o acesso dos estudantes nas universidades.

Palavras-chave: Refugiados e Imigrantes; Inclusão; Universidade; Diversidade

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo analizar las políticas de inclusión de inmigrantes establecidas en las universidades federales brasileñas en la región sur del país. Desde el punto de vista metodológico, se realizó un estudio documental comparativo entre las tres universidades de la región que tienen convenio con la Cátedra Sérgio Vieira de Mello y procesos especiales de selección para esta población. Se identificó que los procesos son diferentes en cuanto a la presentación de la documentación requerida y los criterios de selección. Cuando existe el requisito de presentar el documento de equivalencia de la escuela secundaria, así como los documentos traducidos y la prueba de dominio del portugués, el proceso se vuelve un poco más burocrático y puede dificultar el acceso de los estudiantes a las universidades.

Palabras clave: Refugiados e inmigrantes; Inclusión; Universidad; Diversidad

Introdução

Nos últimos dez anos os movimentos migratórios têm chamado atenção no mundo. No Brasil, viu-se um crescimento acelerado do número de imigrantes. Segundo a Organização Internacional para Migrações entre o período correspondente aos anos de 2010 e 2015 a população de imigrantes no país chegou a 713 mil pessoas (Organização internacional para as Migrações, 2017). Esse crescimento gera necessidade de atenção maior à questão dos fluxos migratórios, pois se torna essencial que os países consigam receber os migrantes de uma forma que todos sejam acolhidos dentro da sociedade; por meio de políticas públicas que garantam a eles o acesso ao emprego, aos direitos básicos e fundamentais da vida humana e à educação.

Percebendo a importância do tema, após a promulgação da Declaração dos Direitos Humanos, foi publicado o Estatuto dos Refugiados, em 1951, com o objetivo de zelar pela proteção dos refugiados e reconhecer que a cooperação internacional é a melhor forma de lidar com os efeitos da migração. Entretanto, somente em 1997 foi que o Brasil desenvolveu mecanismos para a implantação do Estatuto dos Refugiados, ressaltando o direito à educação no país, inclusive à educação superior através da Lei nº 9.474/1997 e recentemente a lei que tratava das situações jurídicas dos estrangeiros foi revogada pela Lei nº 13.445/2017 que institui os direitos e deveres dos migrantes, regulando sua entrada no país e as diretrizes para as políticas públicas voltadas a eles. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável reforça o compromisso em garantir educação inclusiva, equitativa e de qualidade, comprometendo os países membros a fornecer educação inclusiva e equitativa para todas as pessoas sem distinção, inclusive para imigrantes. Esses direitos básicos são sustentados por diversos aspectos legais e jurídicos que dão base à igualdade entre as pessoas e têm como objetivo a igualdade entre os diversos segmentos da sociedade, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, mais especificamente no Brasil, a Constituição Federal do Brasil de 1988.

Veem-se no Brasil diversas políticas públicas que foram criadas com o intuito de incluir alguns grupos da sociedade que viviam à margem da sociedade e que sua forma de vida e bagagem histórica poderia vir a influenciar negativamente seu acesso à educação. Entre o período de 2003-2010 o Brasil passou por um processo de expansão quantitativa do ensino superior através da democratização do acesso à universidade. Neste contexto, a democratização retoma a ideia de acesso à universidade por intermédio de mecanismos que possibilitem condições justas de concorrência para todos os brasileiros, surgem as ações afirmativas como ferramentas no combate das desigualdades (Pereira, et. al., 2016).

Deste modo surge a Lei nº 12.711/2012, denominada a Lei de Cotas que foi promulgada para dispor sobre o ingresso nas universidades federais e instituições federais de educação superior de nível médio. Caracterizando-se como uma ação afirmativa as cotas estabelecem 50% das vagas para estudantes que cursaram o ensino médio integral em escola pública, estudantes que possuem renda igual ou inferior a 1,5 salários mínimo e para estudantes pretos, pardos, indígenas e deficientes. Estudos recentes demonstraram a preocupação em analisar a inclusão de estudantes com deficiência nas universidades (Poker, et. al, 2018), de estudantes indígenas no ensino superior brasileiro (Bergamaschi, et. al, 2018) e as políticas públicas voltadas para a educação de imigrantes no Brasil (Oliveira, 2020). Esses exemplos demonstram o movimento de integração, realizado pelas universidades, de pessoas que poderiam vir a ter dificuldade, caso disputassem uma vaga por meio do processo da ampla concorrência.

Neste contexto, surge a questão dos imigrantes, um grupo que se pode dizer que é tratado de forma desigual quando comparado com outros grupos da mesma sociedade que ingressam nas universidades, pois são pessoas que muitas vezes chegam ao país por meio de uma migração forçada e sem conhecimento da língua portuguesa e que podem vir a ter dificuldades de inclusão. Por mais que o número de imigrantes e refugiados a cada ano aumente, eles ainda são pouco visíveis nos contextos organizacionais e educacionais (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, 2019).

No ano de 2003 foi criada pelo ACNUR a Cátedra Sérgio Vieira de Mello - CSVM que estabeleceu parcerias com as instituições de ensino superior brasileiras com o fim de promover a pesquisa, o ensino e a extensão voltadas para as migrações. Deste modo, as universidades passaram a desenvolver serviços que possibilitariam o acesso à educação para os refugiados e imigrantes por meio de processos de ingresso diferenciados e políticas de assistência à permanência (ACNUR, 2019). Segundo a CSVM, 22 instituições de ensino são conveniadas à Cátedra, sendo 12 destas; universidades federais, das quais, nove possuem processo seletivo especial para os imigrantes. Desta forma, destacam-se três grandes universidades federais da região sul do país, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, a Universidade Federal de Santa Maria - UFSM e a Universidade Federal do Paraná - UFPR que foram os objetos de estudo desta pesquisa.

Hoje no Brasil há políticas de inclusão educacional voltada para pessoas pretos, pardos e indígenas, pessoas de baixa renda e para quem estudou o ensino médio em escola pública, bem como para pessoas com deficiência. Classificando-se também os imigrantes neste contexto de vulnerabilidade social, sendo que cabe questionar quais políticas são voltadas para o acesso destes nas universidades federais brasileiras. Entendendo como políticas de inclusão educacional o acesso diferencial para determinado grupo através de editais publicados pelas universidades, que busquem a equidade de oportunidade entre os brasileiros, esta pesquisa teve como objetivo analisar quais as políticas de inclusão de imigrantes estabelecidas nas universidades federais brasileiras da região sul do país.

Para tanto, propôs-se realizar uma pesquisa documental em três universidades federais da região sul, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM e Universidade Federal do Paraná - UFPR que são conveniadas com a Cátedra Sérgio Vieira de Mello e possuem editais de processos especiais para imigrantes, visto que o acesso dos refugiados e imigrantes ao ensino superior ainda é muito restrito e de acordo com a ACNUR (2019), apenas 1% dessa população consegue se inserir nas universidades. Além disso, existem alguns fatores que dificultam o acesso dos imigrantes aos editais publicados pelas universidades, como o idioma, o condicionamento da aprovação através de provas de proficiências em língua portuguesa e solicitações documentais (Rosa, 2018; Gonçalves, 2019; Lapa, et al. 2019).

Cabe destacar, nesse momento, alguns conceitos que serão relevantes para a compreensão da discussão desta pesquisa. O imigrante é aquela pessoa que saiu de seu país em busca de melhores condições de vida, mas cabe esclarecer que existe outra classificação que envolve aspectos legais e políticos: refugiados. Essas pessoas, diferentemente dos imigrantes, saem de seu país em busca de refúgio em outro por razões políticas e/ou conflitos, por isso elas necessitam de proteção internacional e são amparadas por diversos aspectos legais. Entretanto, como as universidades não divulgaram as informações com essa classificação, decidiu-se referenciar-se a estas pessoas somente como imigrantes, não levando-se em conta os aspectos legais aos quais os refugiados podem ser amparados (OIM, 2006).

Este estudo está dividido, inicialmente, por esta introdução, logo após apresenta-se o percurso metodológico seguido pelos resultados e discussões, por fim apresentam-se as conclusões.

Método

Neste estudo de abordagem qualitativa e caráter descritivo pretendeu-se analisar as políticas de inclusão de imigrantes nas universidades federais brasileiras da região sul do país, para tanto trabalhou-se com o método comparativo e a técnica de coleta de dados a análise documental, levando em consideração o objetivo proposto, para realizar a análise das políticas de inclusão das universidades seria necessário recorrer aos documentos publicados. Para tal, foi necessário delimitar alguns aspectos relacionados as universidades para a escolha das unidades de análise, com o intuito de que fosse possível realizar um panorama sobre as políticas de inclusão para imigrantes. Os critérios de escolha estabelecidos foram: 1) Seria necessário institucionalmente possuir alguma política de inclusão voltada para a inserção da população imigrantes na universidade há mais de um ano, considerando que com o passar do tempo essas políticas se tornam mais sólidas e específicas; 2) Possuir parceria com a ACNUR através da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, visto que a CSVM é pioneira nestes processos; 3) Pertencer a Região Sul do Brasil por uma questão de análise de proximidade geográfica. Desta maneira, as universidades que compuseram a unidade de análise nesta pesquisa foram: a) Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) - localizada em Santa Maria/RS; b) Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - localizada em Porto Alegre/RS; c) Universidade Federal do Paraná (UFPR) - localizada em Curitiba/PR. As são as únicas que cumprem os três requisitos estabelecidos para a pesquisa.

Para atingir o objetivo proposto foi realizada uma análise documental nestas três universidades até a data de janeiro de 2020. Os documentos analisados foram compostos dos arquivos públicos, como por exemplo, as leis e processos legais, para compreender o processo migratório vivenciado pelos refugiados e imigrantes no Brasil, bem como os documentos particulares de cada universidade como os editais e resoluções dos processos seletivos específicos com o objetivo de analisar as políticas de inclusão de imigrantes, além de notícias publicadas nos sites dessas instituições e demais documentos institucionais que auxiliaram na verificação e descrição das políticas de inclusão destas universidades.

Além da pesquisa nos meios eletrônicos, foi solicitado diretamente para as coordenadoras da CSVM informações referentes aos processos, notícias e dados internos que contivessem a quantidade de estudantes que entraram via os processos especiais, nacionalidade, sexo e os cursos escolhidos. Entretanto, somente a UFSM e a UFPR obtinham essas informações. Desta maneira, para ter acesso aos da UFRGS foi realizada uma solicitação por meio do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão.

Após a coleta de todos os dados referentes ao objetivo deste estudo, utilizou-se a análise de conteúdo para como técnica de análise dos dados (Bardin, 2011). Na primeira fase, foi realizada a pré-análise dos dados através da leitura flutuante dos documentos para que fosse possível selecionar aqueles que seriam utilizados nas análises. Logo após, foi realizada a exploração do material, permitindo a transformação dos dados brutos em representações que foram apresentadas por meio de categorias definidas a posteriori (Bardin, 2011). Foram criadas categorias de análise que compuseram os resultados e auxiliaram no alcance do objeto proposto, são elas: a burocracia da inclusão: solicitação documental e o aprendizado formal do português: a condição para inclusão. Por fim, cabe destacar que logo no início da apresentação dos resultados são apresentados os editais referentes aos processos de inclusão de imigrantes, bem como dos dados gerais sobre a presença dos estudantes nas universidades.

Resultados e discussão

Tendo como um dos objetivos e iniciativa ações de incentivo e diferenciação ao acesso e a permanência na universidade, revalidação de diplomas e cursos de língua portuguesa, em 2003 foi criada a Cátedra Sérgio Vieira de Mello - CSVM, pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - ACNUR em cooperação com centros universitários nacionais e com o Comitê Nacional para Refugiados - CONARE com o objetivo de promover a educação, pesquisa e extensão acadêmica para os imigrantes. As universidades conveniadas a CSVM estabelecem objetivos, responsabilidades e critérios para a inserção desta iniciativa nas suas atividades (Acnur, 2019).

A CSVM conta com 22 Instituições de Ensino Superior conveniadas e estima-se que aproximadamente 225 refugiados e imigrantes sejam alunos nestas universidades (ACNUR, 2019). Dentre as universidades conveniadas, doze são universidades federais e nove possuem processo seletivo específico para imigrantes.

A região Sul do Brasil possui quatro universidades federais conveniadas com a ACNUR por meio da implantação da Cátedra Sérgio Vieira de Mello e três delas possuem entre suas atividades voltadas para refugiados e imigrantes com a inclusão de processo seletivo especial para essa população.

A inclusão de refugiados e imigrantes no ensino superior, proporciona as universidades uma integração sustentável, intercâmbio cultural, projetos de pesquisas sobre cultura, direitos humanos, direitos dos refugiados e até mesmo combate à discriminação e a segregação (Marcus, 2018). Na visão de Silva & Lima (2017), deve-se considerar que a visão de igualdade assegura que se devem tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais para que seja possível atingir a igualdade real. É por esse motivo que existem tratamentos diferenciais para alguns grupos da sociedade, como por exemplo, os imigrantes.

Pois, por mais que o aluno imigrante consiga se inserir no contexto educacional ele se torna duplamente excluído, visto que ele já passou por um processo de migração que no caso dos refugiados não ocorre por vontade própria e quando possui a oportunidade de voltar a estudar pode ser excluído no meio de um processo que segue a cultura dominante daquele país (Souza & Senna, 2016).

Essa cultura dominante também pode se manifestar através do idioma (Pérez; et. al, 2018) e de outros fatores que dificultam o acesso dos imigrantes aos editais publicados pelas universidades, como o condicionamento da aprovação através de provas de proficiências, solicitações documentais em casos que os imigrantes e refugiados não possuem acesso tendo em vista o contexto da sua migração e os meios de divulgação que não alcança a população (Rosa, 2018; IBGE, 2019; Gonçalves, 2019; Lapa, et al. 2019).

Além da solicitação do idioma português, existem várias barreiras ao acesso de refugiados e imigrantes nas universidades e uma das mais identificadas é em função das questões documentais, como a revalidação do histórico escolar e diploma do Ensino Médio e a necessidade da nota do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM (Lapa, et al. 2019).

Ademais, segundo Rosa (2018), a divulgação dos editais, por mais que sejam divulgados em meios digitais, não circulam facilmente e nem atingem públicos variados, pois a universidade ainda é vista como algo inalcançável e distante da maioria da população, inclusive pelas próprias pessoas que chegaram recentemente ao país.

Desta forma, percebe-se a relevância de realizar um processo seletivo especial que seja de fácil acesso a essa população, visto que, a migração muitas vezes pode vir a envolver falta de planejamento e questões que possam dificultar o acesso a universidade, quando este se faz de uma forma inacessível.

Neste capítulo de resultado e discussão com base nos documentos analisados, buscou-se analisar as políticas de inclusão de imigrantes nas universidades federais brasileiras da região sul do país que possuem convênio com a Cátedra Sérgio Vieira de Mello - CSVM. Desta forma, no primeiro momento são apresentadas as universidades que compuseram a unidade de análise deste estudo, descrevendo as políticas de inclusão para imigrantes desenvolvidas nestas instituições, as questões que regulamentam os processos e os passos deste procedimento. Num segundo momento apresentam-se as categorias de análises definidas neste estudo a posteriori.

A universidade Federal de Santa Maria - UFSM está localizada na região central do estado do Rio Grande do Sul e conta com aproximadamente 28 mil estudantes, de acordo com o Portal UFSM em Números, e possui como inclusão social as ações afirmativas sociais, étnico-raciais e indígenas instituídas no ano de 2007 e por meio da Resolução 041/2016 instituiu vagas suplementares, 5% em cada curso, para refugiados e imigrantes em situação de vulnerabilidade.

A iniciativa de ofertar vagas para refugiados e imigrantes partiu do grupo de pesquisa, ensino e extensão Direitos Humanos e Mobilidade Humana Internacional - MIGRAIDH. O grupo iniciou suas atividades no ano de 2013 juntamente com o curso de direito tendo em vista compreender as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que decidem migrar para o Brasil além de produzir conhecimento sobre essa temática e proteção dos direitos humanos dos refugiados e imigrantes e desde o ano de 2015 o grupo é responsável pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello - CSVM da UFSM, possuindo assim vínculo com a ACNUR.

Ao analisar os documentos desta instituição estudada, encontrou-se a Resolução 041/2016 que está pautada na Declaração dos Direitos Humanos, no acordo firmado pelo Ministério da Justiça em 2014 através da Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio, compreende que as migrações como um fenômeno social que merecem atenção e destaca a importância de conviver com a diversidade cultural no ambiente universitário, instituiu o Programa de Acesso à Educação Técnica e Superior da UFSM para Refugiados e Imigrantes em situação de vulnerabilidade, aqueles portadores de visto humanitário ou permanente emitido pelo Conselho Nacional de Imigração.

Desta forma, a universidade começou a admitir o ingresso de imigrantes e refugiados em situação de vulnerabilidade através de vagas suplementares por curso, por meio de um processo seletivo específico que leva em conta somente a análise documental.

Para tanto, o participante deverá ter imigrado ao Brasil no máximo a cinco anos, a contar a partir da concessão do visto, concluído o ensino médio no seu país de origem ou em outro país na qual ele residiu, porém não no Brasil, que tenha sido impossibilitado de concluir seu ensino técnico ou superior no seu país ou também aquele que tem o interesse de realizar uma nova graduação. Para este participante será ofertada até 5% das vagas, considerando o número total de vagas de cada curso, o total de vagas ociosas e a aprovação do colegiado de cada curso.

O interessado deve formular um requerimento dirigido à Pró-Reitoria de Graduação - PROGRAD, inclusive no seu idioma de origem, que conste o curso de preferência e algumas documentações, são elas: documento que comprove situação de refúgio, para os solicitantes em estado de refugiado, emitido pelo Comitê Nacional dos Refugiados, o CONARE; protocolo de solicitação de refúgio expedido pela Polícia Federal, com comprovação de vulnerabilidade; cédula de identidade de estrangeiro com residência provisória ou permanente expedida pela Polícia Federal ou documento equivalente, como Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), Carteira de Trabalho (CTPS) ou Passaporte, para o imigrante fora da categoria de refugiado e; comprovação escolaridade para o ingresso no Ensino Superior ou Técnico por meio de documentos que serão apreciados por uma comissão técnica.

Entretanto, para facilitar a apresentação dos documentos há algumas ressalvas, como por exemplo, caso o interessado não possua a comprovação de escolaridade e seja maior de 18 anos, é dada a ele a possibilidade de realizar o Exame Nacional de Ensino Médio - ENEM com o fim de utilizá-lo como certificação de conclusão do ensino médio e apresentar resultado acima de 450 pontos em cada área do conhecimento e 500 pontos na redação.

Todas essas questões concluídas de forma satisfatória e o participante apto a ingressar na universidade, a matrícula será realizada de acordo com as vagas ofertadas, porém caso haja uma procura maior do que os 5% de vagas, poderá ser utilizado critérios seleção como idade e análise socioeconômica e lista de espera.

A resolução ainda afirma que o estudante imigrante ou refugiado que ingressou na universidade será tratado de forma igualitária a qualquer outro, devendo respeitar as normas da instituição e participar do acompanhamento do programa de acessibilidade linguística na fase de adaptação, compreendendo que ele poderá não ser fluente na língua portuguesa.

Tendo em vista todas as informações contidas na resolução e o entendimento de que se trata de um assunto que lida com questões relacionadas ao direito humano, o curso de direito por meio da CSVM é responsável por prestar apoio técnico aos interessados em participar do processo seletivo, bem como auxiliar os setores administrativos da universidade no cumprimento da resolução.

Com todas essas questões ficou estabelecido o Programa de Acesso à Educação Técnica e Superior por meio da promulgação do Edital nº005/2017, o primeiro a regulamentar a Resolução 041/2016.

No primeiro semestre do ano seguinte, em 2018, o edital foi novamente aberto para receber novos estudantes e já se viu uma maior procura e aumento das vagas ofertadas, visto que no primeiro ano de edital publicado ingressaram 16 alunos, enquanto no ano de 2018 recebeu 40 estudantes refugiados e imigrantes.

Entretanto, o processo foi suspenso no ano de 2018. De acordo com informações do MIGRAIDH a universidade não deu resposta ao grupo sobre os motivos que fizeram suspender o processo. Desta forma a universidade possui em seu quadro de alunos 56 estudantes imigrantes nos cursos de graduação divididos em treze mulheres e 43 homens de diversos países, com destaque ao Haiti que é a nacionalidade de 34 destes estudantes.

Com sede em Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS é uma universidade centenária com reconhecimento internacional e é destaque nacionalmente como um dos maiores orçamentos do estado e entre as universidades federais é considera a primeira em publicações e a segunda em produção científica, considerando o número de professores. A universidade oferta cursos em todas as áreas do conhecimento e em todos os níveis, assim diariamente circulam 40 mil estudantes entre todas as estruturas da universidade desde o ensino fundamental até a pós-graduação.

A UFRGS destina 50% das suas vagas para candidatos egressos do ensino público de ensino médio, pretos, pardos e indígenas, desde 2018, para atender à Lei nº 13.409/2016, também oferece reserva de vagas para pessoas com deficiência e por meio da Decisão nº 366/2015 aprovou as normas de ingresso de pessoas em situação de refúgio nos cursos de graduação e pós-graduação.

A proposta da oferta das vagas para refugiados surgiu do Grupo de Assessoria a Imigrantes e Refugiados - GAIRE. Caracterizado como um grupo de extensão, o GAIRE presta assessoria jurídica, psicologia e social a imigrantes e refugiados. Juntamente a ele, a CSVM trabalha em parceria atuando nas áreas de ensino, pesquisa e extensão sobre a temática do refúgio e das migrações.

Com base na análise documental realizada na UFRGS, o documento que aprovou as normas para o ingresso de refugiados na referida universidade foi a Decisão nº 366/2015. Este documento viabilizou o acesso à universidade de refugiados e ingressantes no país decorrente de reunificação familiar. Cabe frisar aqui que, de acordo com a lei que implementou o estatuto dos refugiados a condição de refugiado de quem já está instalado no país se estende aos demais familiares (Brasil, 1997).

Para tanto, o aluno deverá cumprir alguns requisitos que serão condicionantes a sua candidatura, são eles: preenchimento de um requerimento que indique o curso pretendido, tendo em vista as vagas que serão publicadas por meio de edital, comprovação da condição de refugiado reconhecida pelo CONARE ou a apresentação do protocolo de solicitação e a comprovação da conclusão do ensino médio ou equivalente.

Após o encaminhamento destes documentos, os candidatos são submetidos a um processo seletivo individual, de caráter eliminatório, com o objetivo de atestar os conhecimentos necessários para o ingresso e andamento do curso.

Ademais, para a realização da matrícula o aluno deverá comprovar a proficiência em língua portuguesa, por meio do CELPE-BRAS. Para aqueles que ainda não possuem o certificado, a universidade disponibilizará ao aluno o vínculo ao curso de graduação, porém sem atividades, durante os dois primeiros semestres. Este tempo deverá ser destinado à realização do curso intensivo ministrado pelo Programa de Português para Estrangeiros - PPE e o aluno a cada final de semestre deverá apresentar seu atestado de frequência e aproveitamento para a manutenção do vínculo com a universidade, tendo até um ano para apresentar seu certificado de proficiência, caso contrário perderá o vínculo acadêmico e a vaga conquistada.

Para viabilizar esta decisão, um edital deve ser publicado indicando o período das candidaturas das pessoas em situação de refúgio nos cursos de graduação e com o fim de estabelecer as destinações de vagas, a Pró-Reitoria de Graduação é encarregada de realizar o contato com as Comissões de Graduação bem como por meio do edital, publicar as vagas destinadas.

Desta forma, desde o ano de 2018 a universidade está publicando editais de abertura para o ingresso de refugiados e percebeu-se, por meio da análise realizada nestes editais, que eles possuem algumas informações a mais do que as contidas na decisão que viabilizou o acesso de refugiados à universidade.

Além dos documentos necessários para a inscrição que já foram listados acima, é necessário apresentar a cópia do documento de identidade de estrangeiro - RNE, para candidatos que não possuem solicitação de refúgio deverá ser apresentada a comprovação do visto humanitário, isso permite que não somente os refugiados tenham a oportunidade de participarem do edital, mas também imigrantes em situação de vulnerabilidade.

Sobre a comprovação do ensino médio, os editais esclarecem que ela pode ocorrer de diversas formas, através da forma de ensino regular ou na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, certificado emitido no exterior com parecer das Secretarias de Estado de Educação, certificado de conclusão pelo ENEM ou pelo ENCCEJA, certificado validado pelo CONARE ou diploma do ensino superior reconhecido no Brasil ou validada pelo CONARE e também é possível apresentar o certificado de conclusão do ensino médio expedido no exterior com solicitação de equivalência de estudos nas Secretarias Estaduais de Educação brasileira.

Após apresentação da documentação, a Comissão de Graduação de cada curso é responsável por definir os critérios de seleção que podem ocorrer mediante prova escrita, prática ou entrevistas e apresentação de uma carta de intenções sobre a preferência ao curso. Geralmente as provas quando escritas devem ser realizadas em português, em poucos casos é permitido realizá-la em espanhol ou inglês. Diferentemente, a carta de intenção, bem como a entrevista, em grande parte dos cursos é permitida em outros idiomas, como em espanhol, inglês, francês ou italiano. Observa-se que nesses casos há facilitação no idioma, porém é solicitado que todos os documentos que forem entregues, quando permitidos em outro idioma a não ser o português, deverão conter uma cópia com tradução.

Ressalta-se que o aluno ingressante por meio desta decisão tem todos os direitos e deveres dos demais alunos da universidade, como por exemplo, acesso aos programas de apoio estudantil e ações de assistência, ressalvado as situações especificas de refúgio que permite com que o aluno utilize um nome social, com o fim de resguardar sua identidade visando sua segurança e sigilo da condição de refugiado.

De acordo com dados solicitados via o Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão, tem-se que a UFRGS possuía 23 alunos matriculados na universidade via o processo seletivo específico para imigrantes. Vê-se a presença de onze estudantes haitianos, predominando as vagas ofertadas pela universidade.

A Universidade Federal do Paraná - UFPR possui sede em Curitiba, capital do estado do Paraná, é a mais antiga universidade do Brasil e é referência no ensino superior do país desde 1912 (UFPR, 2020). Está entre as quatro primeiras universidades do Brasil a implantarem as Políticas de Ações Afirmativas por meio das cotas para pretos, pardos e indígenas. Logo após, as ações afirmativas se expandiram e começaram a abrigar deficientes e estudantes que cursaram o ensino médio integralmente em escola pública.

Seguindo este caminho a UFPR possui duas políticas distintas de ingresso para refugiados e imigrantes. Segundo a coordenadora da CSVM/UFPR, uma das políticas é o reingresso e é destinada para aqueles que no seu país de origem estavam estudando e por algum motivo relacionado ao seu processo migratório tiveram que abandonar seus cursos, desta forma, este estudante tem a oportunidade de dar a continuidade ao mesmo curso ou um curso similar dentro da universidade. Além dessa política, para abrigar aqueles estudantes que não tiveram a oportunidade de iniciar seus estudos no seu país de origem, a universidade desenvolveu um vestibular para refugiados e imigrantes.

A política de reingresso é a mais antiga dentro da universidade e foi aprovada por meio da Resolução nº 13/14 e permite que os imigrantes regularmente admitidos no Brasil e portadores de estado de refugiado que tenham iniciado cursos superiores em instituições de ensino superior no seu país poderão solicitar o acesso aos cursos com as mesmas características na universidade. Por consequência, em 2015 foi publicado o primeiro edital referente à Resolução para ingresso de imigrantes e refugiados no primeiro semestre do ano de 2016. Desde lá, anualmente o edital é publicado.

Para tal, o requerimento de acesso aos cursos de graduação da universidade será recebido após a apresentação de alguns documentos, como um formulário preenchido em português e em inglês, espanhol ou francês; o histórico escolar completo, com disciplinas cursadas, carga horária e conceitos; documento de identidade, original e cópia, tanto como o expedido pela Polícia Federal ou o passaporte; com o fim de comprovar sua situação e seu registro como residente no Brasil, o participante deverá apresentar a cópia do documento expedido pelo CONARE e também a cópia do documento expedido pela Receita Federal do Brasil na qual o estudante será identificado pelo seu Cadastro de Pessoas Físicas - CPF.

Essa documentação deverá ser apresentada em fotocópia autenticada e os documentos que irão instruir o processo deverão ser traduzidos por um tradutor público juramentado. Caso o participante seja impossibilitado de realizar a fotocópia e a tradução por restrições financeiras ou relacionadas ao seu processo migratório, deverá escrever uma justificativa de próprio punho no ato da inscrição.

Logo após, será examinada a equivalência do histórico escolar, além da adequação da documentação comprobatória do seu percurso acadêmico e a correspondência do seu curso iniciado fora do país com o pretendido na universidade. A qualquer momento poderá ser solicitado outros documentos com o intuito de comprovar a equivalência e a coordenação do curso também poderá submeter este estudante a provas em língua portuguesa ou inglesa para caracterizar a equivalência.

Depois de verificada a equivalência e o estudante for aprovado e matriculado automaticamente ele deverá participar do curso de Acolhimento Linguístico e Acadêmico, que é realizado durante as cinco semanas que antecedem o do ano letivo. Além disso, ao longo do curso o estudante deverá se reportar mensalmente ao professor-tutor ou colega-tutor que será indicado pela coordenação do curso, cursar a disciplina “Português: práticas textuais e acadêmicas”, participar do programa de tutoria do projeto Migração e Processos de Subjetivação e das ações indicadas pela coordenação com o auxílio do professor-tutor ou colega-tutor.

Além da política de reingresso, no ano de 2018 foi estabelecida a criação de vagas suplementares destinadas a imigrantes e refugiados por intermédio da Resolução nº 63/18. Portanto, os imigrantes refugiados que não tiveram a oportunidade de realizar uma graduação no seu país de origem, poderão participar deste processo e concorrer a dez vagas suplementares (UFPR, 2018).

Para participar desse processo deverão ser apresentados os mesmos documentos já citados acima, com a exceção do e histórico escolar do curso de graduação, pois esse participante não chegou a cursar nenhum curso no seu país de origem, e adicionar a comprovação do ensino médio revalidado por alguma secretária de educação de qualquer estado brasileiro.

Como forma de caráter eliminatório tem-se uma prova de conhecimentos gerais que contém 40 questões objetivas com conteúdo programático sobre português, língua estrangeira, matemática, física, biologia, química, história, geografia, filosofia e sociologia e a elaboração de uma redação.

O estudante que aprovou por meio deste processo também deverá realizar o curso de Acolhimento Linguístico e Acadêmico, bem como se reportar mensalmente aos seus tutores e frequentar a disciplina “Português como Língua de Acolhimento para Fins Acadêmicos” que será indicada pelo Projeto Português Brasileiro para Migração Humanitária - PBMIH. Diferentemente da política de reingresso, neste processo o estudante escolherá seu curso, entre uma lista publicada no edital com 119 cursos disponíveis, durante o Acolhimento Linguístico e Acadêmico de acordo com sua colocação final, até o preenchimento das dez vagas.

Como consequência das duas políticas de ingresso para imigrantes e refugiados da UFPR, de acordo com dados repassados pela CSVM/UFPR, incluiu 117 alunos de diversas nacionalidades, com predominância a haitianos, compondo 65 estudantes e também venezuelanos, 20 estudantes. Cabe ressaltar que dentre esse número 78 ingressantes são estudantes homens.

Após a apresentação dos documentos que instituíram os processos seletivos especiais para imigrantes nas três universidades analisadas, neste subtópico abordou-se as categorias de análise desenvolvidas neste estudo. A partir da análise dos dados coletados foi possível identificar duas questões que se fizeram presente e se destacaram, são elas: a burocracia da inclusão e o aprendizado formal do português.

As questões burocráticas documentais, ao invés de tornar o processo mais seguro, podem construir barreiras no acesso de imigrantes e refugiados no ensino superior (Lapa, et al., 2019). As três universidades analisadas solicitam na primeira etapa a apresentações de documentos que comprovem, entre outros, a situação do processo migratório e equivalência do ensino médio. Em alguns momentos, como será apresentado neste tópico de análise facilita o ingresso.

Como por exemplo, no processo da UFSM que tramitou durante dois anos até ser aprovado, para o acesso dos imigrantes e refugiados é realizada somente uma análise documental, dispensando provas seletivas e a necessidade da validação de diploma de ensino médio via coordenadoria regional de educação, sendo somente enviar os documentos necessários, escolher o curso de preferência e aguardar o resultado e a aprovação do colegiado do curso para a garantia da vaga, o que vai ao encontro dos editais publicados pela universidade.

Vê-se a facilitação documental presente nos editais da UFSM, pois uma das dificuldades encontradas geralmente nesses processos é exatamente a exigência de documentos que muitas vezes podem até exigir custos para sua emissão, como a revalidação do diploma de ensino médio, que gera custo de tradução (Lapa, et al., 2019).

Enquanto a UFRGS especifica os documentos que poderão servir como forma de equivalência do ensino médio, o que abre uma gama de opções para os candidatos, a UFPR solicita a revalidação do diploma do segundo grau em alguma secretaria de educação de qualquer estado brasileiro. Desta maneira, a universidade possui a Resolução nº 02/16 - CEPE, que auxilia os estudantes que queiram participar do processo seletivo, mas que ainda não possuem a revalidação do diploma, isso é uma das formas de facilitar o ingresso.

Além disso, a UFSM é a única que permite que a solicitação de participação no processo seja feita no idioma de origem do candidato, o que facilita a aderência deste aluno ao processo. Pois muitas vezes os editais solicitam documentos em português, mas o solicitante sendo um imigrante ele pode não possuir fluência no idioma, o que descaracteriza o propósito do processo (Rosa, 2018).

É o caso da UFRGS que solicita que toda a documentação que esteja em língua estrangeira, com exceção do espanhol, deverá ser traduzida para o português. Enquanto a UFPR vai além e solicita dos estudantes aprovados a tradução juramentada dos documentos que estão em língua estrangeira, além de cópias autenticadas, entretanto caso o solicitante não tenha condições de arcar com essas questões que demandam um esforço financeiro, ele poderá justificar a falta desses documentos.

A dificuldade burocrática em obtê-los ou atualizá-los pode vir a se tornar uma barreira ao acesso à universidade (Lapa, et al., 2019). Por exemplo, no caso dos editais da UFPR que solicitam a tradução juramentada dos documentos que estão em língua estrangeira, além de cópias autenticadas, o que em alguns casos pode se tornar inviável inclusive por serem documentos pagos, entretanto caso o solicitante não tenha condições de arcar com essas questões que demandam um esforço financeiro, a universidade concede a ele a oportunidade de justificar a falta desses documentos.

As políticas de inclusão que condicionam o ingresso ao conhecimento do português, ao invés de incluir, acaba excluindo os migrantes que almejam uma vaga na universidade. Desta forma, o idioma ainda se torna uma barreira ao acesso nos processos, pois o edital publicado em português manifesta a cultura dominante daquele ambiente na qual o indivíduo está inserido (Gonçalves, 2019).

Cabe destaque também a questão do idioma, pois a UFSM é a única que permite que a solicitação de participação no processo seja feita no idioma de origem do candidato, o que facilita a aderência deste aluno ao processo. Pois muitas vezes os editais solicitam documentos em português, mas o solicitante sendo um imigrante ele pode não possuir fluência no idioma, o que descaracteriza o propósito do processo (Rosa, 2018). Então, por mais que a universidade não exija a proficiência em português, como é o caso da UFSM, é necessário conhecer o idioma para participar do processo e também para acompanhar as aulas, já que as aulas, trabalhos e provas são todas realizadas em português.

Na UFRGS o problema do idioma persiste. A universidade solicita que toda a documentação que esteja em língua estrangeira, com exceção do espanhol, deverá ser traduzida para o português. Enquanto a UFPR vai além e solicita a tradução juramentada dos documentos além de fotocópias autenticadas. Como essas ações despendem de custos financeiros, a UFPR no seu edital destaca um artigo na qual o solicitante que não tiver condições de arcar com esses custos, deverá justificar de forma presencial no momento da solicitação. Após passar pela parte documental o estudante realiza outras seleções que são determinadas individualmente pelos cursos e em grande parte são realizadas em português, segundo Gonçalves (2019), políticas de inclusão que condicionam o ingresso ao conhecimento do português, ao invés de incluir, acaba excluindo essa pessoa.

Tanto a UFRGS, quanto a UFPR, com exceção da política de reingresso que só realiza uma prova interna com o intuito de compreender os níveis de proficiência dos alunos, são através de provas práticas, teóricas, entrevistas e/ou carta de intenções. No caso da UFRGS, essas provas deverão ser realizadas em português, ao passo que as entrevistas e cartas de recomendações poderão serem realizadas em outros idiomas. Contudo, a UFPR aplica provas com conhecimentos específicos, incluindo história e geografia, além de uma questão discursiva em português.

O outro fator que gera dificuldade no momento da participação no processo seletivo e ao longo do curso é a proficiência em português. Segundo Rosa (2018), solicitar o aprendizado formal da língua portuguesa como uma condição ao acesso à universidade pode ser um gesto incondicional e uma dificuldade a aderência aos editais. Entretanto, a UFRGS é única a solicitar a proficiência do português por meio da prova CELPE-BRAS. Os estudantes após aprovados nesta universidade têm que comprovar a proficiência em língua portuguesa por meio do CELPE-BRAS. Este exame que certifica a proficiência em português como língua estrangeira considera aspectos textuais e discursivos. A prova é realizada de forma escrita, com o fim de avaliar a produção redigida em português, e também de forma oral para avaliar a compreensão do idioma. Destaca-se que de acordo com os editais dos anos de 2018 e 2019 foram disponibilizadas 84 vagas divididas entre 25 cursos. Entretanto, o que se vê são somente 23 alunos matriculados distribuídos entre treze cursos de graduação. Pode ser que a realização do exame de proficiência esteja dificultando o acesso destes estudantes à universidade.

Na UFPR, os estudantes passam por uma entrevista com a equipe do Projeto Migração e Processos de Subjetivação e por uma prova escrita em português com o intuito de nivelar o conhecimento do idioma. Além de também solicitar, nos dois de seus processos, provas de português para identificarem se o estudante terá condições de continuar o curso por conta do seu idioma, entretanto é realizada uma prova interna, não sendo necessário apresentar certificado de proficiência, o que pode vir a facilitar a inclusão dos estudantes, visto que a UFPR possui uma grande quantidade de estudantes imigrantes matriculados que entraram via os processos especiais.

Conclusões

Tendo em vista que a inclusão de estudantes nas universidades é um tema que constantemente é debatido e estimular o debate sobre raça e etnia, inclusive sobre racismo é importante para reflexões (Lima, et. al, 2014), esta pesquisa teve o objetivo de analisar as políticas de inclusão de refugiados e imigrantes nas universidades federais brasileiras da região sul do país. Para tanto, foi realizado um estudo documental nas universidades federais da região sul do Brasil que possuem vínculo com a Cátedra Sérgio Vieira de Mello e processos seletivos especiais para o ingresso desses estudantes.

Em relação a essas oportunidades de estudo, a UFSM, UFPR e a UFRGS possuem processos seletivos específicos para a inserção dos imigrantes e refugiados, além da UFPR também possuir uma política de reingresso para aqueles estudantes que abandonaram seus estudos no seu país de origem.

Os processos são distintos em relação à apresentação das documentações exigidas e nos critérios de seleção. Quando há a obrigatoriedade de apresentar o documento de equivalência do ensino médio, bem como os documentos traduzidos e a comprovação da proficiência de português, o processo torna-se um pouco mais burocrático e pode vir a dificultar o acesso dos estudantes nas universidades. Entretanto, há um esforço das universidades em compensar esses fatores através de cursos gratuitos de português, com o propósito de dar um suporte àqueles alunos que deverão apresentar o certificado de proficiência e até mesmo para a participação nos critérios de seleção, que podem ser via provas prática e escrita, entrevistas e/ou carta de recomendação, na maioria das vezes em português.

Sobre isso, alguns pontos merecem destaque. A UFSM e a UFRGS possuem o processo seletivo para imigrantes e refugiados na qual as vagas são disponibilizadas de acordo com as coordenadorias de cada curso e também respeitando as vagas ociosas. Enquanto a UFPR possui dois processos distintos de ingresso para imigrantes e refugiados: a política de reingresso e o processo seletivo. A política de reingresso é destinada para aquelas pessoas que abandonaram sua graduação no seu país de origem para migrarem, já o processo seletivo é atribuído para qualquer pessoa que passou por um processo migratório e que tenha o comprovante da conclusão do ensino médio ou equivalente. As semelhanças entre as universidades então, estão nos processos seletivos, entretanto, a política de reingresso da UFPR possui as mesmas condições que o processo seletivo, a diferença é somente o público que ela atinge.

Enquanto a UFRGS especifica os documentos que poderão servir como forma de equivalência do ensino médio e se tratando do processo seletivo da UFPR é necessário realizar a revalidação do diploma do segundo grau em alguma secretaria de educação de qualquer estado brasileiro. Ademais, a UFSM é a única que não utiliza como critério eliminatório a aplicação de provas, pois o processo de inserção do aluno é via análise documental. Então esse método de facilitação documental é um dos atrativos do processo realizado por esta universidade.

Identificou-se que as três universidades juntas inseriram 196 estudantes distribuídos em diversos cursos de graduação. Ressalta-se a UFPR, pois só ela matriculou 117 alunos imigrantes e refugiados, resultado de ser a pioneira nesses processos publicando editais desde o ano de 2015.

Dentro da totalidade de estudantes imigrantes e refugiados matriculados nessas instituições, destaca-se que em sua maioria são estudantes de nacionalidade haitiana. Entende-se que essa quantidade de 110 estudantes haitianos presentes nas universidades se dá pelo fluxo migratório que ocorre com maior atividade desde o ano de 2010 com o terremoto do Haiti (Baeninger & Peres, 2017) e a atribuição de tratamento prioritário a haitianos na solicitação do visto humanitário para a entrada no país (Audebert, 2017; Fernandes & Faria, 2017).

Cabe ressaltar outra informação referente aos imigrantes presentes nas universidades da região sul do país, é a discrepância entre o número de homens e mulheres. Verificou-se que aproximadamente 70% dos estudantes imigrantes presentes nas universidades do sul do país são imigrantes homens. Por mais que até o ano de 2015 a presença de imigrantes haitianas tenha crescido (Fernandes & Faria, 2016), ela abarca somente 40% do total de imigrantes, diferentemente dos dados mundiais que demonstram que a metade dos imigrantes internacionais são mulheres (OIM, 2018).

Ademais, elencam-se aqui algumas sugestões que poderão facilitar a aderência e o acesso aos editais: a publicação dos editais de processo seletivo para imigrantes em diversos idiomas, para um maior alcance e divulgação destas oportunidades; flexibilizar a apresentação da revalidação do diploma do segundo grau por secretaria de educação; aceitar a documentação no seu idioma original, visto que geralmente é necessário traduzir por meio de um tradutor juramentado o que gera custos; criar parcerias com os programas de línguas das universidades, gerando uma rede de apoio para as questões relacionadas ao idioma das documentações e demais auxílios para com os imigrantes candidatos e; modificar a condição de aprovação perante certificado de proficiência CELPE-BRAS, podendo as universidades criarem sua própria forma de avaliação referente ao idioma do candidato.

Tendo em vista que o processo de inclusão envolve tanto o acesso às instituições, quanto a remoção de questões burocráticas e acompanhamento do estudante (Ferreira, 2007), ainda é necessário que, além de possibilitar o acesso destes estudantes, as universidades possuam políticas que os acompanhem durante todo o seu percurso acadêmico.

Por fim, propõem-se uma agenda de pesquisa futura que siga abordando esta temática através de um olhar zigomático, incialmente descrevendo o processo migratório vivenciado por estes imigrantes, compreendendo que essa migração pode gerar pontos de virada - turning points, tanto de vida quanto de carreira, dependendo desta trajetória, que pode vir a facilitar ou não a inclusão destes nas universidades. Alinhar junto a isso a teoria interseccional, para identificar como marcadores sociais de raça, etnia e gênero impactam nos processos migratórios tendo em vista que se constatou que a maioria dos estudantes são homens haitianos.

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Recebido: 08 de Setembro de 2022; Aceito: 22 de Novembro de 2022

*Autor para correspondencia. E-mail: bittencourtluise@gmail.com

Los autores declaran no tener conflictos de intereses.

Los autores participaron en el diseño y redacción del trabajo, y análisis de los documentos.

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