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versão On-line ISSN 2411-9970

ARCIC vol.7 no.16 La Habana maio.-ago. 2018

 

Itinerarios de Investigación

A comunicação museológica na promoção da igualdade de gênero

La comunicación museológica en la promoción de la igualdad de género

Museological communication in the promotion of gender equality

Claudomilson F. Braga1 

Camila Craveiro2 

Simone Antoniaci Tuzzo3 

1Universidade Federal de Goiás. Contato: milsonprof@gmail.com

2Centro Universitário de Goiás Uni-ANHANGUERA. Contato: camilacrav@gmail.com

3Universidade Federal de Goiás. Brasil. Contato: simonetuzzo@hotmail.com

Resumo

Justificado na ampliação do campo patrimonial e na democratização dos museus enquanto espaço de representação do ethos e da própria urbanidade, esse artigo, através de uma análise teórica e do cenário museológico na América Latina e Península Ibérica, se propõem a uma reflexão sobre o potencial da comunicação museal em promover mudanças sociais no que tange à igualdade de gênero e por consequência mudanças nas relações sociais e no espaço urbano.

Palavras-chaves: patrimonio; museus; gênero; comunicação

Resumen

Justificado en la ampliación del campo patrimonial y en la democratización de los museos como espacio de representación del ethos y de la propia urbanidad, este artículo, a través de un análisis teórico y del escenario museológico en América Latina y la Península Ibérica, se propone una reflexión sobre el potencial de la comunicación de los museos en promover cambios sociales en lo que se refiere a la igualdad de género y por consecuencia cambios en las relaciones sociales y en el espacio urbano.

Palabras clave: patrimonio; museos; género; comunicación

Abstract

Justified in the expansion of the patrimonial field and in the democratization of museums as a space for representing ethos and urbanity itself, this article, through a theoretical analysis and the museological scenario in Latin America and the Iberian Peninsula, propose a reflection on the potential of communication in promoting social change in relation to gender equality and consequently changes in social relations and urban space.

Key words: heritage; museums; gender; communication

1. Introdução

Atualmente, a noção de patrimônio cultural é definida pela Unesco como sendo “monumentos, grupos de edifícios ou sítios que tenham um excepcional e universal valor histórico, estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico” (Unesco, 2016). Ao longo de séculos, essa definição foi sendo reconstruída e ajustada aos contextos situacionais de acordo com os interesses políticos e econômicos de entidades com poder para determinar o objeto patrimonial.

No passado o termo era utilizado e comumente confundido com monumento histórico (Choay, 2000). Naquele momento, a ideia de perda e desaparecimento e, consequentemente, a de conservação estiveram ligadas à noção de patrimônio que designava essencialmente o conjunto de bens imóveis ou de acervos de obras de prestígio histórico ou simbólico. Esse conceito perdurou durante todo o século XIX (Descallées y Marisse, 2013). Na medida em que não admitia uma manifestação democrática onde vários grupos sociais poderiam interferir no processo de patrimonialização, essa concepção de patrimônio acarretava um certo grau de engessamento do objeto patrimonial.

Por muito tempo o patrimônio foi utilizado como estratégia de construção de uma identidade nacional, sobre uma aura conservacionista e associado a palavras como identidade, tradição, história e monumento. Hoje, ele é vinculado com outras redes conceituais como o turismo, o desenvolvimento urbano, a mercantilização, a comunicação massiva (Canclini, 1999) e, mais recente e concomitantemente como instrumento de reivindicação social. Em decorrência da ampliação do campo patrimonial com a inclusão do patrimônio imaterial, e com a preocupação em se proteger e promover a diversidade das expressões culturais, grupos invisibilizados ou subalternizados passam a utilizar a amplificação dessa categoria como ferramenta estratégica na disputa pelo reconhecimento social. Essa democratização engloba igualmente os museus fazendo surgir uma nova maneira de se pensar esses lugares em oposição ao colecionismo vigente no passado.

Até então, os museus eram caracterizados por uma atitude acrítica, conservadora e etnocêntrica em relação ao seu objeto. Esse caráter é perpetuado até a metade do século XX, quando a instituição museal entra em crise em decorrência da sua postura passiva diante da sociedade. “Foi questionada a sua relação com as pessoas e com o meio ambiente” (Rechena, 2011, p. 103). Em decorrência dessa crise institucional, surge a nova-museologia. Ao mesmo tempo em que pontua uma necessidade da interdisciplinaridade, do caráter social destes espaços e do uso do patrimônio em proveito do desenvolvimento social, ela vela pelo aprimoramento da comunicação e dos modos de expressão das exposições.

2. Os museus como campos comunicacionais

A nova museologia passa a privilegiar as representações que elucidam os contextos sócio situacionais em que os significados do material museal são gerados em lugar de dar prioridade às coleções ou aos objetos isolados (Duarte, 2013). Um objeto, no entanto, não vale por si só. A mensagem transmitida através destes objetos só passa a ter sentido diante de alguém que a interprete. Desta maneira, quando assumimos a exposição como um texto, automaticamente admitimos o espectador como um leitor modelo/ideal (Eco, 1993). Aqui consideramos esse leitor como um sujeito ativo dotado de vontade e de uma bagagem prévia de informação que o torna um ser participativo nesse processo de comunicação. Assim, o texto sensorial é individualizado e passível de múltiplas interpretações. Cada indivíduo faz uma leitura do texto museal de maneira distinta de outro indivíduo e estas interpretações variam de acordo com o conjunto de sentidos adquiridos ao longo da vida de cada visitante.

A construção da narrativa museológica se dá através da utilização de objetos herdados retirados de seu contexto, recontextualizados e/ou entextualizados (Bauman y Briggs, 1990) ou da construção de novos objetos com a finalidade de se integrar a uma exposição. Em ambas as situações cabem ao museólogo o papel de desenvolver e comunicar estas narrativas.

Isto significa que o museólogo comunicador pode interligar, misturar e apresentar de formas nem sempre aparentes, as memórias e os significados dos objetos que utiliza numa exposição museológica. Ao serem integrados numa exposição são acrescentadas aos objetos novas camadas de significados e de informação que eles não possuíam antes. [...] Qualquer utilização dos objetos numa construção discursiva é em si mesma uma manipulação do significado dos objetos (Rechena, 2011, p. 180).

Desse modo, se as narrativas museológicas são representações dos contextos socioculturais que originaram os objetos, elas fazem com que “[...] apareça algo de quem a formula. Sua parte de interpretação. Devido a isto, não é simples reprodução, senão construção e acarreta à comunicação uma parte de autonomia e de criação individual ou coletiva” (Jodelet, 1986, p. 476, tradução nossa).

Analisar as eleições museográficas nos permite compreender a ideologia preponderante em um determinado meio social, pois, uma exposição museológica, vista como um espaço de comunicação privilegiado sofre influência de expressões que replicam uma organização social e, ao mesmo tempo, atua como propagadora de ideias. Esse fato levanta uma grande preocupação que recai sobre a agenda das prioridades de comunicação, sobre o que é subalternizado e sobre o que é silenciado nos museus.

A hipótese do agendamento ou “agenda setting” é uma teoria de comunicação que pressupõe que a agenda de prioridades de temas a serem colocados em pautas pessoais reflete a agenda dos veículos de comunicação. Isto é, o que um indivíduo sabe ou ignora, o que lhe chama a atenção ou lhe passa despercebido e o que ele coloca em relevo ou subalterniza é uma consequência da importância que os meios de informações dão a certos fatos, problemas e pessoas (Wolf, 1999).

Desde os fundamentos iniciais até os dias de hoje novas pesquisas foram realizadas e resultados mais amplos foram somados à teoria. Essas novas perspectivas mostram uma diversidade de interações no processo de influência das temáticas agendadas. Uma delas considera que a hipótese do agendamento é configurada sobre duas bases. A primeira base diz respeito ao fato de que a agenda temática dos veículos de comunicação gera um impacto direto, apesar de nem sempre ser imediato, na agenda temática pessoal do público. Um segundo ponto, também relevante, deve ser observado em relação à construção da agenda dos veículos de informação. Independente de questões de tecnologia e de linguagem, a dificuldade em manter um suprimento constante de notícias provoca a omissão ou a cobertura marginalizada de alguns temas por estes veículos. Essa é uma questão inerente a todo sistema informativo (Wolf, 1999).

Uma consideração complementária à premissa inicial da teoria faz referência ao fato do poder de influência dos meios de comunicação. Nem toda mídia tem o mesmo potencial de ingerência sobre a audiência. A capacidade de um veículo influenciar seu público varia de acordo com o tema tratado e à falta de conhecimento desse público em relação a esse tema. Isto é, quanto menos um indivíduo sabe sobre determinado assunto, mais necessidade em buscar informação ele vai ter. Outra consideração salienta que a aquisição de informação através da comunicação direta entre indivíduos não depende dos mass media e, muitas vezes, pode originar novas demandas de temas e influenciar a agenda destes veículos gerando um agendamento reverso (Wolf, 1999). Desta forma, se antes o sentido da influência era pensado como sendo unidirecional, hoje se sabe que tanto a audiência quanto os meios de comunicação são influenciados um pelo outro. “Neste quadro, por conseguinte, a formação da agenda do público vem a ser o resultado de algo muito mais complexo do que a mera estruturação de uma ordem do dia de temas e problemas por parte do mass media” (Wolf, 1999, p. 66). Existe um alto grau de reciprocidade na construção da agenda pessoal e dos veículos de informação, e esse é um processo coletivo muito mais do que linear.

O espaço museal é um campo dotado de todos os elementos constitutivos do processo de comunicação e capaz de propagar sua mensagem a um grande público. Se, por um lado, as mensagens comunicadas nos museus não atingem uma grande audiência de maneira simultânea - como ocorre com a TV, por exemplo- por outro, a larga permanência de uma exposição permite que essa mensagem alcance uma quantidade muito elevada de público visitante. Desta maneira, esse espaço museal é susceptível a situações como a priorização de temas nos museus, a imposição de um quadro interpretativo proposto pela exposição, a postura não passiva do público na recepção das mensagens, o diálogo museu e sociedade em relação às suas agendas temáticas e a omissão ou marginalização- intencional ou não- de alguns temas.

Ao mesmo tempo em que os museus influem nas representações sociais de seu público, eles refletem o pensamento do sistema social em que estão inseridos. Origina-se uma via de mão dupla onde o meio de comunicação (no caso, o museu) e seu público gera influência sobre o outro. Assim, a agenda do que vai ser tratado, como vai ser tratado e o que vai ser silenciado é conformada tanto pelas prioridades do projeto museológico quanto do contexto social em que o museu faz parte. Por sua vez, essas prioridades são ajustadas de acordo com as convenções sociais, os costumes, as normas e a ideologia preponderante em um grupo. A comunicação museal replica posturas públicas e influencia a percepção individual do que se pode ou não dizer e fazer sem perigo de isolamento. A partir desse processo interativo que gera uma espiral de silêncio (Neumann, 1995) se pode definir uma opinião pública. Aqui utilizamos o conceito de opinião pública como sendo “(...) aquela que pode ser expressa em público sem risco de sanções, na qual pode ser baseada a ação realizada em público” (Neumann, 1995, p. 2, tradução nossa).

De acordo com Neumann algumas observações são feitas a respeito do processo de formação dessa opinião pública:

1- Ao emitir uma opinião, um indivíduo efetua uma espécie de mapeamento de sucesso de opiniões dentro de seu grupo. Determinando, assim, aquelas que têm maior chance de êxito e as que menos têm. O esforço despendido nessa tarefa varia de acordo com seu interesse e seu envolvimento no processo.

2- A decisão em expor ou não seu pensamento vai variar de acordo com o mapeamento citado acima. Se seu ponto de vista está conforme a maioria do pensamento dominante, o indivíduo terá mais disposição em se expressar.

3- Pode-se deduzir que, em uma análise, se a efetiva distribuição de opiniões está em contradição com a divisão das opiniões expressadas é porque a opinião com maior força de aceitação é a que foi expressada em público. Isto é, o fato de uma opinião ser expressada em público, não significa que seja um pensamento da maioria.

4- Se, no presente, uma opinião é hegemônica, há uma tendência para que ela continue predominando no futuro.

5- Se um indivíduo detecta uma tendência futura em modificar a força de aceitação da opinião presente, sua predisposição em expressar seu ponto de vista vai depender se esta tendência confirmará ou não sua opinião (Neumann, 1995).

Percebe-se, a partir de então, que a opinião pública é derivada do temor ao isolamento que os indivíduos sofrem ao se expressarem. Esse temor faz com que muitas vezes o indivíduo renuncie ao próprio ponto de vista ou simplesmente se silencie.

Esse fato se explica através da Teoria da Espiral do Silêncio. “A ideia central desta teoria situa-se na possibilidade de que os agentes sociais podem ser isolados caso expressem publicamente opiniões diferentes daquelas que o grupo majoritário considere como opiniões dominantes” (Braga, 2012, p. 504).

A exposição museológica e o museu, como veículos de comunicação, são também passíveis de isolamento e igualmente sujeitos à espiral do silêncio. Desse modo, “o curador-através das eleições do que vai ser comunicado e invisibilizado, deixa entrever suas impressões digitais na narrativa. A exposição é a visão do autor, dentro de seu contexto de crenças e no tempo presente” (Coelho y Braga, 2016, p. 32).

Com base nessa reflexão teórica, surge o questionamento das reais possibilidades da comunicação museológica influenciar e promover uma mudança social no que diz respeito à igualdade de gênero. Para tanto, a partir de casos retirados da literatura científica, foi construído um cenário de como o tema vem sendo trabalhado em museus da América Latina e Península Ibérica.

3. A mulher nos museus ibéricos e latino americanos

Revisitando a história podemos perceber que a mulher sempre ocupou um lugar subalterno nas instituições museais. A pergunta de Linda Lochin publicada na revista Art News, em 1971, faz eco até os dias atuais e nos leva a pensar sobre a inviabilização da mulher nos museus: Por que não houve grandes mulheres artistas? (Loponte, 2005). É de tal maneira introjetada a inferiorização, que nem as próprias mulheres se reconhecem produtoras de mensagens artísticas dignas de serem apreciadas. Há muito que a genialidade é considerada um atributo masculino.

Uma das categorias da história da arte mais questionadas pelas estudiosas feministas é a figura do artista como gênio e a insistente associação da chamada “grande arte” com essa imagem heroica, um atributo de características marcadamente masculinas. Pesquisadoras e historiadoras feministas fazem coro diante da desconstrução de um mito que ainda persiste nas definições mais comuns do que seja arte ou artista (Loponte, 2005, p. 248).

A mulher não é considerada um sujeito criador. Esta relegação a um plano inferior é ainda mais paradoxal quando observamos que a maioria do corpo de funcionários dos museus é composta por mulheres. Na Espanha, por exemplo, este percentual é de mais de 85% trabalhando a frente destes espaços (Fernandez, 2013). Isto nos faz considerar que são as próprias mulheres, reproduzindo um sistema androcêntrico, quem confere aos museus a função de guarda e preservação do patrimônio estritamente masculino. “A subordinação feminina encontra-se de maneira velada, apesar dos avanços atingidos pelas feministas principalmente nos últimos quarenta anos. O ser feminino ainda é ligado a uma imagem de subalternidade e fragilidade” (Rodrigues, 2012, p. 170).

Na última década, no entanto, em contraponto à subalternização e invisibilização da mulher, começaram a ser concebidos museus exclusivamente dedicados a este grupo. Como exemplo, podem ser citadas as aberturas de museus da mulher em países como Chile, Peru, Argentina, México, Espanha e Portugal (Silva, 2014; Vaquinhas, 2014). No Brasil, a criação do museu da mulher em Recife é uma mostra de ações que incluem o país nessa tendência. Se, de um lado, este grupo continua sendo deixado a margem da memória e do processo de patrimonialização androcêntrico que ainda persiste nos principais museus da Península Ibérica e da América Latina; por outro lado, surgem espaços e exposições exclusivas onde a mulher é protagonista do discurso museal.

A abertura promovida por estas instituições ao diálogo com os segmentos aí representados e o interesse acadêmico pela patrimonialização, fazem eco no interesse por parte dos investigadores da área de comunicação e gênero em compreender a configuração destes temas nos museus. Estas pesquisas compartilham o mesmo fio condutor: o posicionamento da mulher em diferentes contextos museais.

Feito um levantamento na literatura científica destes países da América Latina e Península Ibérica, constata-se que estas pesquisas, embora se situem em contextos distintos, repetem situações similares. Aqui, citamos uma amostra desse levantamento e observamos que, em um primeiro enfoque, as pesquisas mostram uma mulher silenciada ou subalternada no projeto museográfico das exposições. Em uma segunda perspectiva, os museus dedicados exclusivamente à mulher são analisados como alternativas positivas de educação e conscientização “da posição que -os visitantes- ocupam no esquema da comunicação como sujeitos genderizados” (Arocha, 2014, p. 151, tradução nossa).

Neste primeiro enfoque, Cecília Laguna e Mariano Ramos (2007), em sua pesquisa, exploram as hierarquias e os espaços de gênero em um estudo comparativo entre um museu popular privado argentino, Los Rostros de la Pampa, e dois museus nacionais também argentinos, Museo Gauchesco e Complejo Museográfico Henrique Udaondo. Neste trabalho é ressaltada a ideia de que o ordenamento simbólico dos lugares em que as mulheres e os homens ocupam na sociedade vai ser refletida na distribuição espacial dos objetos atribuídos aos homens e às mulheres nestas exposições. Deste modo, comprovam que a hierarquia de gênero ordena esta distribuição tanto nas instituições públicas quanto nas instituições privadas que funcionam como museus.

Em “Exposición y género: el ejemplo de los museos de arqueología”, Isabel Izquierdo Peraile, Clara López Ruiz e Lourdes Prados Torreira (2012), analisam as exposições dos museus espanhóis de arqueologia sob a perspectiva de gênero. De acordo com as autoras, o discurso museográfico tem sido usado, ao longo da história, como argumento legitimador de situações de discriminação ou de subalternização das mulheres. Deste modo, estes argumentos são fixados no imaginário coletivo como arquétipos naturalizados. Todavia, observam que a renovação na museologia não coincide com a renovação dos discursos da exposição.

Ochoa (2008), em seu trabalho, analisa dois grandes museus mexicanos sob o ponto de vista de gênero: Museu Nacional de Antropologia e o Museu Nacional de História. A autora faz uma reflexão de como as práticas de consumo influem no processo de construção da identidade de gênero. Uma vez mais, estas exposições reafirmam a mulher na sua condição de invisibilidade pública enquanto confirmam os homens em seu poder hegemônico. Desta maneira, o museu, detentor de poder devido a seu valor científico e simbólico, desenvolve práticas e interações que constituem feitos sobre os quais se constrói um imaginário coletivo da mulher.

Neste mesmo enfoque, na “Representación de las mujeres en los modernos museos arqueológicos: estúdio de 5 casos”, Querol e Hornos (2011) realizam a análise de 5 museus espanhóis com o intuito de fazer um estudo comparativo com os trabalhos da mesma linha publicado pelas autoras em décadas passadas. Este estudo permitiu a observação de como a legislação espanhola de igualdade entre as mulheres e homens foi refletida no cotidiano destes museus. Suas conclusões não são muito positivas e mostram que a mulher continua ocupando um lugar subalternado e em atitudes submissas dentro destas exposições.

Em uma segunda perspectiva situacional, ao escrever sobre a museologia de gênero, Vaquinhas (2014) assume a subalternização da mulher nos grandes museus, mas consegue ver uma situação positiva na criação dos museus dedicados exclusivamente às mulheres em países como Espanha, México, Argentina, Chile e Peru. Para ela, a criação destes espaços abre caminho para a reabilitação do feminino e contribui para um maior entendimento de como a mulher foi historicamente modelada e articulada com as mudanças sociais. Assim, este feito propicia a consciência do processo da hierarquização de gênero.

Nesta mesma perspectiva, Rebeca Silva (2014), em “Memória e poder: mulheres artistas nas exposições museológicas no Brasil e em Portugal”, faz uma análise comparativa entre duas exposições que trabalham exclusivamente com obras de mulheres artistas: o Museu Sensível, no Brasil, e o Museu Feminino, em Portugal. Embora somente o museu português utilize a sócio museologia unida à perspectiva integrada de gênero, da mesma maneira que Vaquinhas, as autoras veem a iniciativa destes dois espaços como uma maneira de resgatar das sombras e visibilizar a mulher.

4. Considerações

Como notamos nos casos abordados acima, se as diretrizes do patrimônio e da museologia da última década e meia permitiram que as mulheres conquistassem um espaço na construção da memória através de exposições temporárias e museus especializados, paradoxalmente, este foco as remete a uma situação marginal. O novo discurso dominante não é inclusivo. Ele dá destaque à mulher através de exposições temporais ou de museus com temáticas exclusivamente femininas, mas a posiciona longe do cotidiano permanente dos grandes museus. Elas continuam ausentes ou subalternizadas no ordenamento social simbólico aí representado. Desta forma, analisando esta situação e assumindo os espaços museais como campo comunicacional se pode desenvolver algumas considerações.

Uma exposição reflete a visão do curador ou curadores a respeito de um tema. Ao comunicar um posicionamento diante de determinado assunto a equipe curatorial, a exposição e o museu estão sujeitos à espiral do silêncio e às sanções sociais advindas da comunidade onde estão inseridos. Por um lado, os museus são instituições de reconhecido valor documental e científico e, por conseguinte, de alto poder de influência. Mais do que suporte, o meio- no caso, o museu- é, também, um dos determinantes da comunicação difundida. Se pensarmos que o espaço museal é considerado de alta credibilidade, as mensagens que ele transmite podem ser percebidas como oriundas de uma fonte oficial. Por outro, a dinâmica social que estabelece o espaço de atuação da mulher é bastante complexa e a alteração desta dinâmica significa ter que buscar soluções para um novo sistema de viabilização da sociedade. Se as mulheres continuam sendo representadas nos museus em concordância com um pensamento androcêntrico e necessita utilizar recursos estratégicos paralelos como veículos de luta e empoderamento - os museus de temáticas exclusivamente femininas, por exemplo- é porque a sociedade ibero/latino-americana é ainda uma sociedade androcêntrica onde a mulher continua lutando pelo igualitarismo. Assim, vislumbra-se a ideia de que a agenda de prioridades de um projeto museográfico - o que é expressado e o que é silenciado - atua menos como um agente de transformação social do que como reflexo da ideologia hegemônica.

5. Referências Bibliográficas

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Recebido: 30 de Março de 2017; Aceito: 18 de Abril de 2017

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