INTRODUÇÃO
No campo das substâncias psicoativas, o álcool consiste na droga que mais relaciona-se a consequências negativas, tanto em termos de mortalidade, quanto nas situações relacionadas com violência, homicídios e acidentes automobilísticos.1,2 Entretanto, o fato de ser considerada uma droga lícita, de fácil acesso e vendido a custo baixo, lhe confere ampla aceitação sociocultural e propagação através dos meios de comunicação.3
Inicialmente, o consumo do álcool pode ocorrer com a finalidade de superar situações que exigem maior desinibição das pessoas; tais como entrar em contato com um público desconhecido, buscar uma maior diversão, ou amenizar vivências de situações negativas; porém, o uso irregular e abusivo do álcool pode provocar dependência e contribuir para que ocorram inúmeros prejuízos.4
No contexto da Reforma Psiquiátrica brasileira, para atender às demandas específicas da população que vivencia a dependência de drogas, foram criados os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (CAPS ad), dispositivos assistenciais que orientados na lógica da Redução de Danos (RD), devem articular com os demais serviços da rede para promover a reabilitação psicossocial de seus usuários.5
Diante dessa conjuntura, entende-se a importância da inserção da família no contexto terapêutico aos usuários de drogas, uma vez que sua inclusão e participação são fundamentais à garantia do sucesso nas intervenções. Além do sujeito que sofre, temos um sistema que possivelmente fragiliza-se e desestabiliza-se frente ao consumo da droga.6
Desse modo, ao propor ações cuidativas para o alcoolista, gestores e profissionais de saúde deverão levar em consideração o binômio sujeito e família, e estarem conscientes de que no domicílio pode haver inúmeras possibilidades de relações parentais que influenciam na terapêutica, o que impulsiona a família ser corresponsável pelo cuidado a pessoa que vivência a dependência da droga.
Ao considerar a importância da coparticipação familiar para a reabilitação psicossocial dos alcoolistas e pela identificação da lacuna no conhecimento científico de estudos fenomenológicos com essa temática, formulou-se à seguinte questão de pesquisa: Como os familiares percebem a reabilitação psicossocial de alcoolistas? Na perspectiva de responder à questão, pontuou-se como objetivo compreender a percepção de familiares sobre a reabilitação psicossocial de alcoolistas.
MÉTODOS
Trata-se de estudo fenomenológico fundamentado no referencial teórico de Maurice Merleau-Ponty, filósofo que se ocupou em descrever como as vivências se mostram à percepção. Segundo o autor, o processo perceptivo ocorre como um processo intencional e envolve o entrelaçamento da dimensão sensível (intuição, sentimento, impensado) com a dimensão reflexiva (pensamento, linguagem, reflexão).
A partir dessa compreensão, a percepção desvela-se sempre em perfil, ou seja, se mostra como parte de um todo, independentemente de vontade própria, por meio da experiência dialógica, na intersubjetividade, ou seja, ocorre de forma ambígua .7
Todas as etapas do estudo obedeceram a questões éticas, com aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (CEP/UESB), sob o parecer nº 111/2011. Os participantes tiveram suas dúvidas sobre o estudo esclarecidas e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preconiza a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.8
No período de outubro a novembro do ano de 2013, procedeu-se contato com familiares de usuários do CAPS ad em tratamento para o Alcoolismo, acompanhado de convite para participarem voluntariamente do estudo. Utilizou-se como critério de exclusão: familiar de usuário que não estivesse em tratamento exclusivo para Alcoolismo, ou, de usuário que não estivesse em acompanhamento intensivo ou semi-intensivo.
A partir desse critério de exclusão, à medida em que aceitavam o convite, agendou-se um encontro do familiar com a equipe pesquisadora no CAPS ad, com consequente realização de entrevistas semi-estruturada guiadas pelos seguintes questionamentos: Para você o que significa reabilitação psicossocial? O que você considera necessário para a reabilitação psicossocial do seu familiar? Qual o papel da família para a reabilitação psicossocial?
O número de sete participantes foi delimitado no decorrer das entrevistas, quando por meio de leitura das descrições vivenciais obtidas a equipe pesquisadora notou a saturação dos dados e que estes se mostravam satisfatórios para o alcance do objetivo. As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada do CAPS ad, com duração média de uma hora. As mesmas foram gravadas na íntegra, conforme o consentimento dos participantes. No momento da entrevista, foi-lhes sugerido serem identificados por um codinome que representasse suas respectivas personalidades, prontamente eles os escolheram, com vistas à garantia do anonimato.
Dos sete familiares de usuários do CAPS ad entrevistados, cinco eram do sexo feminino. A idade dos participantes variou de 32 a 72 anos; de modo que, de acordo com a relação de parentesco observada, participaram três irmãos de alcoolista, duas mães, uma avó e um pai. Todos os entrevistados declararam que seus respectivos familiares vivenciavam o Alcoolismo há mais de 5 anos e que residiam na mesma residência do usuário, além de serem o principal responsável pelo cuidado do familiar.
Para compreensão das descrições vivenciais, utilizou-se a Analítica da Ambiguidade, técnica desenvolvida para a compreensão de relatos em pesquisas fundamentadas no referencial teórico de Maurice Merleau-Ponty, assim como em outros estudos cujo foco é a percepção humana.9
Todas as etapas propostas pela técnica foram contempladas, a saber: transcrição e organização em forma de texto das descrições vivenciais gravadas nas entrevistas com os participantes; leituras exaustivas do material, partindo da compreensão de que se trata de um estudo fenomenológico, e como tal, busca descrever vivências, experiências perceptivas que acontecem em um campo fenomenal, e não explicá-las; fazer ver os fenômenos em si mesmos, a partir de si mesmos, o que significa dizer que o pesquisador vive sua experiência perceptiva durante a leitura e se reconhece como generalidade intercorporal.9
Assim, corrobora-se a concepção de que o conhecimento efetivam-se em objetivações, constitui-se a partir de operações expressivas que transmutam do pólo pré-reflexivo ao reflexivo através de processo realizado pela linguagem, estando os pesquisadores sempre certos de que as ambiguidades que se mostram são inúmeras.10
Investidos dessas noções, foi feita fenomenologia, ou seja, a partir da suspensão das teses de que as coisas são em si mesmas e da possibilidade de ver essências (ambiguidades) que têm a ver com a percepção, com o reconhecimento de que o fenômeno sempre se mostra em perfil, porém arrasta consigo muitos outros.
RESULTADOS
A fim de facilitar a compreensão do leitor, os resultados são divididos em duas categorias: “Reabilitação psicossocial como medida de restituição do status de normalidade ao alcoolista”; e “Reclusão como medida terapêutica necessária à reabilitação psicossocial”.
Reabilitação psicossocial como medida de restituição do status de “normalidade” ao alcoolista
Ao serem questionados sobre a reabilitação psicossocial no contexto do Alcoolismo, os participantes retomaram a percepção de que a patologia confere à pessoa o grau de anormalidade. Trata-se, portanto, de um deficiente, que não ocupa lugar de destaque na sociedade e vive fora do cotidiano, conforme mostra as descrições:
“[...] fazer dele uma pessoa normal, com saúde, fazer a pessoa se destacar na sociedade, não ter como uma pessoa deficiente! Porque às vezes a pessoa fala assim: alcoolista é do diabo, é deficiente. Mas tem cura! Só depende da pessoa ter tratamento, voltar para o cotidiano, ter uma vida normal”. (Dedicada - irmã de Especial). “Meu sonho é que ele volte ao normal e não use mais (álcool)”. (Forte - avó de Ansioso).
Para a efetivação da reabilitação psicossocial do alcoolista, os familiares reconheceram a necessidade de não haver somente redução da sintomatologia, mas também a importância de estarem inseridos nos espaços sociais, como consta nas falas:
“Fez seleção para várias empresas, passava, mas quando o chamavam para a entrevista e sentiam o cheiro do conhaque diziam que iriam chamar e o enganavam. Até hoje, ninguém chamou. O currículo dele é muito bom, mas quando os psicólogos viam o hálito do álcool, viam que ele não era capaz”. (Responsável - pai de Inteligente).
“Na situação que ele ficou ninguém mais dava emprego; ele distribuía os currículos, mas quando ia fazer a entrevista e as pessoas viam o quadro dele, diziam que iriam ligar para ele, e nada de ligar”. (Esperançosa - mãe de Educado).
As falas de Responsável e Esperançosa mostram a dificuldade que seus filhos encontram para serem inseridos no mercado de trabalho. Os pais reconhecem as potencialidades e as qualificações dos filhos para exercerem funções sociais, entretanto, compreendem que o alcoolista sob os efeitos da bebida enfrenta a rejeição social.
Os familiares ainda observaram que nos próprios serviços de saúde, o estigma e o preconceito constituem barreiras para a reinserção social:
“Ele já foi internado na psiquiatria (Hospital), começou a dar convulsão em casa, levamos para a emergência do hospital [...] lá ficou 3 dias no corredor tendo alucinação por causa do efeito do álcool, depois mandaram para a psiquiatria, falaram que a medicação que ele precisava só tinha lá”. (Feliz - irmão de Carinhoso).
Na percepção dos familiares, o próprio alcoolista carrega consigo o auto preconceito, o que representa impeditivo para a reabilitação psicossocial:
“Ele chegava à porta da igreja e se sentia incapaz de enturmar com os irmãos da igreja, se sentia diferente, mesmo todo mundo falando: entra aqui, tem um lugarzinho para você”. (Dedicada - irmã de Especial).
A dificuldade do alcoolista para o relacionamento interpessoal também apareceu nas descrições vivenciais como barreira para a reabilitação psicossocial:
“Apoio social não falta, ele envia currículo, mas quando chama para fazer a entrevista, ele chega lá tomado, acho que para poder se apresentar bem, ficar falante”. (Amiga - mãe de Inteligente).
Na busca de sentido para a existência, as experiências compartilhadas pelos familiares mostram que o alcoolista busca ser reinserido e exercer um papel social, necessitando, para isso, superar sentimentos de medo, ansiedade, insegurança, preconceito social e o seu próprio preconceito.
Reclusão como medida “terapêutica” necessária à reabilitação psicossocial
Nesta categoria, as descrições mostram que as atitudes que ocorrem a uma pessoa alcoolista podem, muitas vezes, resultar em impactos no âmbito sócio familiar, o que ocasiona desentendimentos e conflitos.
Na tentativa de superar tais dificuldades, os familiares informaram recorrer a serviços especializados na busca de ajuda, assim como revelam as descrições:
“Quando ele entrou vim reclamar com os funcionários que aqui (CAPS ad) não funcionava final de semana, que isso não estava certo”. (Dedicada - irmã de Especial).
“Acho que o CAPS é um lugar que ele sempre deve frequentar! Espero em Deus que ele fique aqui (CAPS ad), às vezes reclama que aqui não tem o que fazer, só artesanato, que ele não gosta disso. Mas nunca chegou ao ponto de desistir”. (Cuidadosa - irmã de Dependente).
As comunidades terapêuticas e clínicas privadas, comumente designadas de centros de recuperação para usuários de drogas, também apareceram nos relatos dos familiares como possibilidade terapêutica para o Alcoolismo, reforçando a percepção de que é necessário o afastamento do convívio sócio familiar como medida terapêutica à reabilitação:
“Estava tudo certo para levá-lo a força para internar em uma clínica, mas aconteceu que, na segunda-feira ele procurou aqui (CAPS ad) e não quis sair mais. Por isto, é que não o internei”. (Feliz - irmão de Carinhoso).
“Nessas fazendas fica preso, não sai, com três meses é que os parentes podem ir lá ver. Com seis meses eles liberam. Se a pessoa sair de lá e melhorar do vício bem, mas se tornar cair, volta para lá, ou para qualquer clínica dessas aí. Mas a verdade é que não temos condição financeira para deixar lá”. (Responsável - pai de Inteligente).
“Achamos que o tratamento no CAPS ad deveria ser assim: entrar pela manhã, e aí não sair mais, ninguém mais ver, ser internamento mesmo, ficar preso, que é para não poder passar nas portas do bar”! (Amiga - mãe de Inteligente).
No que se refere à reabilitação psicossocial do alcoolista, as descrições evidenciam a valorização dos serviços terapêuticos de caráter institucionalizante em detrimento dos serviços substitutivos de saúde mental, além da concepção de que as relações e o ambiente favorecem a continuidade do consumo da droga .
DISCUSSÃO
Ao retomarem suas percepções acerca do processo de reabilitação psicossocial de alcoolistas, os familiares transitaram entre o pensamento e a linguagem, a impessoalidade e a pessoalidade, recorrendo a diferentes discursos que fizeram ver diferentes ambiguidades.
Não obstante a participante Dedicada referir à reabilitação do irmão como condição para “fazer dele uma pessoa normal”, o que remete a um estigma socialmente aprendido, parece reconhecer que a redução do preconceito perante o alcoolista é importante para que ele seja socialmente reinserido.
O fato de o Alcoolismo produzir alterações neuropsiquiátricas, podendo afetar funções psicomotoras, contribuiu para que fosse inserido na Classificação Internacional das Doenças (CID)11) como um Transtorno Psiquiátrico, e assim, passou a assumir uma denotação de loucura, insanidade ou anormalidade. Essa ideia parece ter se tornado uma tradição, e tem ressonância no pensamento de Merleau-Ponty de que no universo cultural teses são incorporadas, mobilizam sentimentos e condutas humanas.7
Os resultados também permitiram compreender que o estigma social leva à atribuição de características negativas à determinada condição, as quais são reconhecidas não somente por outras pessoas, mas também são incorporadas por aqueles que são recriminados, o que contribui para a construção do auto preconceito.
As descrições de Dedicada fizeram ver que seu familiar, na condição de alcoolista, carrega consigo o autopreconceito, ele se vê como uma pessoa incapaz de interagir, sente-se diferente. Nesse sentido, muitas vezes, a condição de estigmatização pode ser muito mais danosa do que a própria dependência e contribuir, para a perda da qualidade de vida.12,13
Ainda no que se refere as limitações para o relacionamento interpessoal, Amiga retomou a experiência do filho de sentir-se incapaz de apresentar-se bem perante a empresa, não se considerar falante, e por isso, buscar auxílio na bebida alcoólica para facilitar a comunicação.
Diante dessa relação conflituosa, é possível compreender que, ao mesmo tempo em que o Alcoolismo é considerado responsável por dificultar as relações interpessoais, estudos disponíveis na literatura revelam que pessoas com esta limitação podem fazer o consumo do álcool como estratégia para facilitar o entretenimento, e assim, diminuir a tensão enfrentada para a interação social.13
Em sua obra Fenomenologia da Percepção, Merleau-Ponty discute a ideia de corpo sexuado como uma possibilidade de abertura a novos relacionamentos interpessoais. Logo, a noção de sexualidade ou abertura ao outro não se refere necessariamente à genitalidade, mas sim, ao desejo de satisfação na vida, de desenvolver os diversos papéis sociais com prazer, e isso se faz na intersubjetividade com o semelhante, envolvendo a integralidade dos sentidos.7
Na perspectiva de garantir o exercício do corpo sexuado, o direito à voz, à expressão de sentimentos e à superação de limites e obstáculos ao processo de reabilitação psicossocial das pessoas que vivenciam o Alcoolismo, é fundamental que a equipe de saúde do CAPS ad estabeleça junto com os usuários o Projeto Terapêutico Singular (PTS), que constitui uma estratégia sistematizada e organizada do cuidado, na qual se considera a singularidade da pessoa e a complexidade de cada caso.14
A compreensão merleau-pontyana ainda permite pontuar que os participantes vivenciam claramente a ambiguidade que é inerente à percepção humana. Se por um lado mostraram-se preocupados com o processo de reabilitação psicossocial dos seus familiares, discutindo sobre as estratégias terapêuticas para o Alcoolismo; por outro lado, também demonstraram preferir a institucionalização em serviços de saúde (incluindo no próprio CAPS ad) ao cuidado orientado pela lógica dos serviços substitutivos de saúde mental.
A reflexão acerca dessa ambiguidade retoma alguns questionamentos evidenciados na literatura quanto ao risco dos serviços substitutivos de saúde mental se tornarem institucionalizantes. De acordo com a Portaria 366/02, os CAPS deverão constituir-se em serviço ambulatorial de atenção diária que funcione segundo a lógica do território.15) Assim, para a reabilitação psicossocial do usuário de drogas, é fundamental que os CAPS desenvolvam ações que incentive a autonomia do sujeito, utilizando ferramentas para (re) organização individual e (re) inserção na família e na sociedade.16
No sentido de não reproduzir o modelo tradicional de atenção e garantir a reabilitação psicossocial, além da prática em oficinas, os profissionais devem considerar o território não como um objeto estático, mas como ob jeto dinâmico, vivo, repleto de inter-relações. Compreender o ter ritório sob essa perspectiva possibilita olhares diferenciados para o contexto dos sujeitos, especialmente em espaços comunitários.17
Os relatos exemplificam a percepção de que as relações e o ambiente favorecem a continuidade do consumo da droga , por isso a descrença na eficácia dos dispositivos propostos pela atual políti ca de saúde mental brasileira. O que fica evidente nas falas é que para se “recuperar”, o usuário de álcool ou de outras drogas deve distanciar-se, mesmo que temporariamente, de seu meio ambiente, ou seja, há uma valorização da institucionalização em regime fechado como medida terapêutica.
Embora parte das comunidades terapêuticas utilize alguns dos princípios preconizados pela política de saúde mental, torna-se claro a ideia de que o cuidado deve ampliar-se no sentido de ser também uma sustentação cotidiana da lida diária do sujeito, inclusive em suas relações sociais, corroborando com a noção de que o afastamento social não contribui para a reabilitação psicossocial.18
Considerando que a guerra às drogas na perspectiva de suprimi-la da sociedade é algo inalcançável, desponta a estratégia da Redução de Danos como recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes (UNODC).19
Essa proposta de cuidado aparece como de baixa exigência, por não requerer dos usuários a abstinência como um pré-requisito obrigatório ao processo de reabilitação psicossocial, o que não significa, todavia, que esse enfoque contraponha-se à abstinência como um resultado ideal ao tratamento. A proposta concilia o estabelecimento de metas intermediárias para minimizar os danos sociais e à saúde relacionados ao uso de drogas.20,21,22
Estudo desenvolvido com alcoolistas em processo de tratamento e com seus respectivos familiares, na Espanha, discute sobre a importância do seio familiar como recurso que pode favorecer a reabilitação de pessoas que vivenciam o Alcoolismo e como grupo que requer ajuda para enfrentar os problemas derivados do consumo da droga por parte de alguns dos seus membros.23
Na mesma perspectiva, o presente estudo chama atenção para as famílias que precisam ser orientadas em relação à estratégia de RD, assim como, acolhidas e instrumentalizadas no âmbito da rede de atenção psicossocial, para que possam ouvir, dialogar, compreender e aceitar o alcoolista, uma vez que além de representar a socialização primária da pessoa que precisa ser reinserida socialmente, a família passou a ser considerada corresponsável pela reabilitação psicossocial na rede.
Em conclusão, com o desenvolvimento do estudo foi possível desvelar que os familiares reconhecem o alcoolista como uma pessoa anormal, sem destaque social, fora do cotidiano e que precisa afastar-se do convívio sócio familiar para ser reabilitada psicossocialmente. Essa concepção põe o alcoolista a mercê do estigma e preconceito, reforçando a exclusão social.
À luz do pensamento merleau-pontyano, compreendemos que, muitas vezes, a pessoa faz consumo do álcool na tentativa de favorecer a interação social, minimizar sentimentos de medo, ansiedade, ou então, para satisfazer alguma outra necessidade, embora essa atitude possa implicar em consequências negativas.
Desse modo, o estudo aponta a necessidade da equipe de saúde mental perceber os fatores que sustentam a exclusão social do alcoolista e desenvolver formas de ruptura com a discriminação, a partir do planejamento e implementação de ações de reabilitação psicossocial. Ao desenvolver a escuta e conhecer as motivações que têm mobilizado a pessoa ao consumo da droga, tanto a equipe como a família poderão investir em estratégias que sejam capazes de atender a tais motivações.
No que se refere as contribuições do estudo para a Enfermagem, profissão cuja característica primordial é o cuidado humano, emerge a necessidade da promoção de um cuidado no contexto do consumo de drogas alicerçado na intersubjetividade, ou seja, um cuidado que há todo tempo valorize a percepção, o ponto de vista e o protagonismo do alcoolista.
Por fim, como a pesquisa fenomenológica não se propõe evidenciar a percepção humana em sua plenitude, a concepção dos familiares foi compreendida em termos de ambiguidades que se fizeram ver. Logo, como a percepção humana consiste em um fenômeno infindável, recomendamos o desenvolvimento de outros estudos que possibilitem outras compreensões acerca da temática.