INTRODUÇÃO
A ansiedade é uma condição emocional comumente associada ao atendimento odontológico definida como a antecipação apreensiva de perigo futuro acompanhada por sintomas somáticos de tensão.1,2,3 Em odontologia, os termos “ansiedade odontológica”, “medo odontológico” e “medo de dentista” muitas vezes são utilizados como sinônimos e se referem a um estado de ansiedade despertado por situações relacionadas ao atendimento odontológico.4,5
A ansiedade odontológica pode ser caracterizada por sentimentos subjetivos de apreensão, angustia, aflição e expectativa negativa do paciente em relação ao tratamento.6,7 Tal condição pode gerar diversos sinais e sintomas como desconforto, náusea, inquietude, aumento de tônus muscular, aumento da frequência cardíaca e respiratória, hiperventilação, aumento da pressão arterial, palpitações, pontadas no peito, aumento da frequência urinária, diminuição da salivação, sudorese, palidez da face, tremores, fraquezas, tonturas, choro e, em casos extremos, desmaios.8 Essas sensações podem desencadear um ciclo vicioso que aumenta o estresse do paciente e pode gerar prejuízos para o atendimento odontológico além de interferências negativas na qualidade de vida dos indivíduos.5,9
O comparecimento às consultas odontológicas podem representar um grande problema para os pacientes que apresentam medo de dentista.10 A ansiedade aumentada pode levar à desmarcação ou cancelamento dos atendimentos o que resulta em uma barreira significativa para otimização dos serviços de saúde bucal. (11,12 A literatura aponta que pacientes que apresentam altos níveis de ansiedade possuem uma resistência significativa ao tratamento odontológico, e que muitas vezes, abandonam o tratamento devido à ansiedade odontológica.13,14
Tendo em vista o aspecto negativo que a ansiedade exerce sobre o tratamento dentário, o objetivo do presente estudo foi avaliar os níveis de ansiedade dos pacientes frente ao atendimento odontológico.
MÉTODOS
O presente estudo, de carácter transversal analítico, foi realizado com uma amostra de composta por 300 indivíduos oriundos da região sul do estado do Ceará, Brasil, atendidos na clínica de Odontologia do Centro Universitário Doutor Leão Sampaio - UNILEÃO. Foram incluídos no estudo indivíduos com idade superior ou igual a 18 anos de idade, sem distinção de sexo ou condição socioeconômica. Foram excluídos os pacientes que não souberam responder às perguntas do questionário, aqueles que possuíam alguma deficiência mental ou cognitiva e aqueles previamente diagnosticados com algum transtorno psicológico.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número de protocolo 1.759.075 e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os participantes da pesquisa responderam individualmente a um questionário estruturado aplicado em uma sala previamente reservada e sob supervisão dos pesquisadores que os orientavam e esclareciam possíveis dúvidas em relação ao preenchimento do mesmo. Foram coletadas informações sobre idade, sexo, percepção da saúde bucal, dor de dente, experiência pregressa à tratamentos odontológicos e sobre aspectos psicológicos relacionados ao atendimento.
A ansiedade durante o tratamento odontológico foi avaliada através da Escala Modificada de Ansiedade Odontológica (MDAS) na versão em português (anexo).15,16 O instrumento MDAS é composto por cinco questões com cinco alternativas de respostas, sendo que se atribui valor um à alternativa correspondente a de menor grau de ansiedade e valor cinco, a de maior grau. O mínimo escore possível é de cinco (sem ansiedade) e o máximo, de 25 (extrema ansiedade).8,17,18 Foram considerados indivíduos ansiosos aqueles que apresentaram escores maiores ou iguais a 16.15,19
Os dados foram digitados, organizados e analisados no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS para Windows, versão 20,0, SPSS Inc. Chicago, IL, EUA). A análise descritiva das frequências absolutas e relativas foi realizada para todas as variáveis independentes do estudo. Os testes Qui-quadrado e Exato de Fisher foram realizados para verificar a associação entre o status de ansiedade e cada uma das variáveis independentes.
RESULTADOS
Dos 300 pacientes selecionados para o estudo, 222 (74,0 %) correspondiam ao sexo feminino e 78 (26,0 %) ao sexo masculino, com idade média de 32,7 anos. Em relação à saúde bucal, a maioria dos participantes da pesquisa (42,7 %) relataram apresentar uma boa saúde bucal, enquanto 88,0 % relataram já ter apresentado dor de dente. Ainda, a partir da análise da MDAS foi observado que 22,7 % dos indivíduos foram considerados ansiosos. A tabela 1 exibe os resultados das análises descritivas realizadas nas variáveis categóricas do presente estudo.
Através da análise bivariada verificou-se associação estatisticamente significativa entre os status de ansiedade e os indivíduos do sexo feminino (p= 0,004). Ainda, observou-se associação estatisticamente significativa entre os indivíduos ansiosos e o histórico de experiências desagradáveis no dentista (p= 0,015). As demais variáveis não se associaram significativamente com o status de ansiedade (tabela 2).
DISCUSSÃO
O termo ansiedade é definido como sendo uma “antecipação apreensiva ou angustiante de futuro perigo ou desgraça, acompanhada por reações emocionais acompanhada de uma variedade se sintomas físicos que incluem: taquicardia, transpiração, tensão, tremor e aumento do ritmo cardíaco”.1,2,20 Esta definição implica que a ansiedade é um estado orientado para o futuro, funcionando para motivar o organismo a comportar-se de tal modo que o perigo futuro seja prevenido.8
Desta forma, ansiedade odontológica é uma condição emocional que pode ser considerada como uma ameaça ao tratamento odontológico pois causa apreensão e desconforto ao paciente.4,21 Este sentimento relacionado ao atendimento odontológico parece ser uma significativa barreira à otimização dos serviços de saúde bucal. Estudos realizados com pacientes com altos níveis de ansiedade mostraram que diante desta condição há significativas resistências ao tratamento e até mesmo o abandono do mesmo, levando ao prejuízo da saúde bucal.22
Estudos de prevalência demonstraram que a ansiedade afeta entre 3,8 % a 25 % da população adulta.23,24 Nossos resultados evidenciaram que 22,7 % da amostra estudada apresentava ansiedade relacionada ao atendimento odontológico. A prevalência da ansiedade odontológica em diferentes populações é bastante variável.24 Estas diferenças podem estar relacionadas ao estilo de vida das pessoas, aos hábitos culturais locais, ao acesso e tipo de serviço odontológico.
A literatura tem apontado que o status de ansiedade pode variar entre os diferentes sexos.25,26 Nossos resultados demostraram uma associação estatisticamente significante entre a ansiedade e os indivíduos do sexo feminino. Diversos estudos têm demonstrado diferenças importantes entre os níveis de ansiedade em homens e mulheres, ressaltando que as mulheres apresentam mais ansiedade do que os homens. (23,24,25,26,27,28 É possível que as diferenças de ansiedade entre os sexos têm uma relação direta com as percepções e significados das experiências dolorosas. Liddell e Locker descreveram que esta diferença pode estar relacionada aos complexos fatores cognitivo-comportamentais envolvidos nas atitudes dos homens e das mulheres em relação a dor.13
Entre a população adulta, o tratamento odontológico é classificado como muito desconfortável e associado a estresse.6,12,21,22 No presente estudo, os indivíduos ansiosos foram associados a experiências pregressas desagradáveis no dentista. Estudos voltados à etiologia do medo e da ansiedade ao tratamento odontológico demonstraram que experiências negativas no consultório configuram fatores etiológicos importantes para estas condições.12,14,22 Experiências negativas associadas a percepção de sofrimento e dor vivenciadas pelos pacientes aumentam a ansiedade e pode resultar na maximização das percepções durante o tratamento.10,12,14,16 Tal condição pode diminuir a capacidade do paciente em colaborar com o tratamento e com a equipe odontológica além de torna-lo mais difícil e estressante.1,2,6,8,16
A saúde bucal influencia diretamente na qualidade de vida dos indivíduos. Diversos autores descreveram que a ansiedade está associada à saúde bucal deficiente e impacto negativo na qualidade de vida.9,14,21,25 Neste contexto, a ansiedade pode causar perturbações e limitações no decorrer do tempo e capazes de interferir no crescimento e desenvolvimento do individuo, minando o funcionamento da personalidade e aumentando a vulnerabilidade a outras psicopatologias. A ansiedade odontológica pode gerar efeitos sociais negativos que levam a diminuição da autoestima, aumento do sentimento de vergonha, constrangimento, problemas no relacionamento familiar, dificuldade em sair com amigos e até de tirar férias.14
A relação entre ansiedade e dor é extremamente relevante para o planejamento do atendimento clínico. A dor, mesmo sendo um processo fisiológico, possui um forte componente cognitivo que, em pessoas com ansiedade odontológica, podem desencadear percepções exacerbadas.2,8,12,22,29,30 O Dentista precisa estar ciente da importância tanto do controle da dor quanto da ansiedade dos pacientes. Neste sentido, o aprimoramento do atendimento odontológico deve ser pautado na relação profissional-paciente, na qual simples explicações e direcionamentos podem desmistificar o tratamento odontológico e aumentar o grau de confiança do paciente resultando na redução do nível de ansiedade. O Dentista que tiver conhecimento prévio do nível de ansiedade dos seus pacientes, poderá tomar medidas mais adequadas para aliviar o medo e o estresse durante o tratamento.
A partir do presente estudo pode-se concluir que a prevalência de ansiedade é maior nos indivíduos do sexo feminino e que experiências odontológicas pregressas desagradáveis ou de sofrimento se configura um importante fator associado à ansiedade odontológica.