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Universidad de La Habana

versión On-line ISSN 0253-9276

UH  no.282 La Habana jul.-dic. 2016

 

ARTÍCULO ORIGINAL

 

Ciranda de loucos: o ritmo circular e trágico do delirio

 

Circle Dancing with Madmen: the Delirium's Circular Tragic Rhythm

 

 

Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.

 

 

 


RESUMO

Uma poderosa imagem da loucura atravessa os tempos, tema vasto e complexo que invade a vida social e a literatura. Apresentaremos a tragédia Héracles de Eurípides focalizando seu protagonista, o herói que é tomado de furor e investe contra a própria família. Com o apoio de outros textos -o romance Quincas Borba, de Machado de Assis, e o conto "Sorôco, sua mãe, sua filha", de João Guimarães Rosa-, pretendemos investigar como se dá a escolha e o uso de palavras para a constituição do ritmo da loucura. Sem mencionar autores que verdadeiramente eram ou ficaram loucos, como inocular desordem na palavra artificialmente -e portanto racionalmente- construída? A nossa trajetória pretende demonstrar que a técnica da literatura para construir a demência nos três textos escolhidos tem suas bases na literatura grega.

PALAVRAS-CHAVE: literatura brasileira, loucura, mímesis, tragédia grega.


ABSTRACT

A powerful image of madness -a wide and complex theme in social life and in literature- is presented in Heracles' Euripides through the main character of the tragedy, the hero who is seized by rage and invests against his own family. With the support of other texts -namely the novel Quincas Borba, from Machado de Assis, and the short-tale "Sorôco, sua mãe, sua filha", from João Guimarães Rosa-, we intend to investigate how the poet make a madness' rhythm from the choice and use of the words. Not to mention authors that actually were or went mad, how to inoculate disorder in the word artificially -and therefore rationally- constructed?

KEYWORDS: literature brasileira, madness, mimesis, Greek tragedy.


 

 

Desde sempre trágicos de todos os tempos -de Ésquilo a Nelson Rodrigues- se sobressaíram na representação das paixões desmedidas e dos excessos. Artistas representaram as mais violentas emoções de vários modos, mas foram os gregos, na cultura ocidental, que iniciaram o processo de análise dos ???? no teatro. Os maníacos, para os helênicos, eram os acometidos pela ???, perturbação do espírito. Seus atos provocavam espanto e, se a demência os levasse a crimes contra familiares, sofriam a pena terrível das Erínias. As tragédias áticas, inseridas no ritual do ctônico Dioniso, são disso fonte inesgotável: mostram forças que irrompem das profundezas e expõem o drama humano para expurgá-lo pela kátharsis.

Mas a fraqueza dos homens nem sempre foi tratada de forma coletiva e interativa, a céu aberto e em grandes espetáculos. Os que se contradizem loucamente, os paradoxais, foram paulatinamente banidos de nosso meio e nunca foram assumidos como normalidade na existência. Nossas fraquezas são, frequentemente, enclausuradas (Davis, 2012). Determinou-se, para os que dizem e fazem absurdos, a correção e as grades (Foucault, 1978). E tão comuns foram os aprisionamentos que, ainda hoje, no Brasil interior, em Minas Gerais, um modo de falar denuncia essa prática pretérita. Para nomear os imponderáveis da vida se diz: "é um trem de louco!". O dito, provavelmente do início do século XX, parece ligar-se ao Hospital Colônia, de Barbacena, hoje sede do Museu da Loucura. A história pode nos dar pistas (Pereira, 2009),(1) mas não se sabe ao certo quem inventou a tão estigmatizada frase. O crítico Fábio Lucas (2009) encontra na literatura uma resposta e toma João Guimarães Rosa como testemunha: "Barbacena, conforme se sabe, tornara-se sede de um manicômio cujos clientes, captados em todas as regiões do Estado, comumente eram transportados em vagões especiais de trens de ferro. Essa memória terá talvez dado alento ao conto "Sorôco, sua mãe, sua filha", constante na coletânea Primeiras histórias" (p. 90).

O "trem de louco" é um similar mineiro da Stultifera navis, a Narrenschiff, a "Nau dos loucos" comentada largamente por Foucault (1978, p. 30). Aliás, a associação trem e navio -é modo delicado- indica-a, deveras, Guimarães Rosa no conto mencionado, como apontou Lucas. Destaco um fragmento da narrativa para que possamos vislumbrar o trem que chega na estação:

A hora era de muito sol -o povo caçava jeito de ficarem debaixo da sombra das árvores de cedro-. O carro lembrava um canoão no seco, navio. A gente olhava: nas reluzências do ar, parecia que ele estava torto, que nas pontas se empinava. O borco bojudo do telhadilho dele alumiava em preto. Parecia coisa de invento de muita distância, sem piedade nenhuma, e que a gente não pudesse imaginar direito nem se acostumar de ver, e não sendo de ninguém. Para onde ia, no levar as mulheres, era para um lugar chamado Barbacena, longe. (Guimarães Rosa, 1988, p. 18; grifo nosso)

No dialeto mineiro que grifamos, os vagões do trem lembravam uma insólita barcaça que empinava as pontas, como um navio, ao movimentar-se. Instaura-se um paradoxo: um barco que em terra navega; o trem vem como uma alucinação. A imagem construída provoca nos leitores uma percepção extraordinária. Simbolicamente, há recorrência de um signo: o círculo (Ostetto, 2009). A circularidade -símbolo de perfeição ou de isolamento em um grupo fechado?- tem início com a imagem do sol; segue-se o trem em formato curvilíneo de "canoão" com sua cobertura, "um telhadilho" todo negro -uma outra barcaça emborcada-(2) a refletir a luz solar, um outro paradoxo nada desprezível.

A filha -a moça- tinha pegado a cantar, levantando os braços, a cantiga não vigorava certa, nem tom nem no se-dizer das palavras -o nenhum-. A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspecto de admiração. Assim com panos e papéis, de diversas cores, uma carapuça em cima dos espalhados cabelos, e enfunada em tantas roupas ainda de mais misturas, tiras e faixas, dependuradas -virundangas: matéria de maluco-. A velha só estava de preto, com um fichu preto, ela batia com a cabeça, nos docementes (Guimarães Rosa, 1988, p. 19).

Sorôco com sua mãe e sua filha surgem no meio da rua nesse instante de iluminação intensa, quando todos se abrigavam à sombra do cedro, árvore de nome grego, ?????? e madeira usada para construção de navios. A imprecisão do instante é bem registrada pelo léxico: "lembrava", "reluzências", "parecia que ele estava torto", "longe", "muita distância", "imaginar", "de ninguém", "longe". O autor focaliza a filha de Sorôco "enfeitada de disparates", em outros termos, "enfeitada de derisão"; ela própria, a filha de Sorôco, "enfunada" ou "cheia como uma vela de navio ao vento" deixando de sua boca sair um canto. Sob a circularidade astral e a inexatidão assoma-se a sua a cantoria, outro índice de loucura com o qual o conto termina. A partir da melodia entoada nota-se o desvio no uso das palavras e no tom inseguro e desafinado da que canta. Os braços para o alto desenham gestos exagerados. Os olhos miram o céu como os santos e alumbrados. A filha tem enfeites coloridos que contrastam com a mãe toda de preto. A variedade de ações da filha se opõe ao proceder repetitivo da mãe, que "batia com a cabeça nos docementes". Vale observar o estranhamento provocado pelo escritor o qual flexiona o advérbio "docemente" e provoca um desvio de leitura. A formação lexical do advérbio "docemente" com a flexão do plural, além de manter o sentido básico de suavidade, pode remeter a uma palavra composta por duas outras: 'doce', isto é, "de sabor açucarado ou de modo macio", e 'mente', pensamento, intelecto. Assim, a mãe de Sorôco tinha a "mente macia", tradução da expressão idiomática "miolo mole". Pelas duas citações constata-se a junção de opostos: a filha, aquela que é livre de entraves e regras, contrasta com a mãe, a louca confinada em movências fixas e repetidas; a luz excessiva que contrasta com os tons do telhadilho a refletir o clarão solar e com a veste da mãe de Sorôco, que, por sua vez, contrasta com o colorido da roupagem da filha. Tomemos aqui por seguro que, no excerto, as palavras delimitam a demência como uma espécie de confronto coletivo. A distinção de uns e outros só se faz nos detalhes: "A gente reparando, notava as diferenças" (Guimarães Rosa, 1988, p. 19). Vamos regidos pelo vaivém do trem, sem ordenamento -"foi sem combinação"-, em impalpável ritmo, um "trem de loucos", que forma um cortejo de dementes (Reis, 2004). O conto termina expandido; sem o sol -"a gente se esfriou"-, todos caminham para o ilimitado; como num transpasse todos enlouquecem:

A gente se esfriou, se afundou -um instantâneo. A gente [...] E foi sem combinação, nem ninguém entendia o que se fizesse: todos, de uma vez, de dó do Sorôco, principiaram também a acompanhar aquele canto sem razão. E com as vozes tão altas! Todos caminhando, com ele, Sorôco, e canta que cantando, atrás dele, os mais de detrás quase que corriam, ninguém deixasse de cantar. Foi o de não sair mais da memória. Foi um caso sem comparação.

A gente estava levando agora o Sorôco para a casa dele, de verdade. A gente, com ele, ia até aonde que ia aquela cantiga. (Guimarães Rosa, 1988, p. 21)

Eis uma ciranda de loucos. Da água, do sol e da secura da via férrea não se escapa.

São frequentes -e não apenas em Rosa- as vezes em que a loucura extrapola as paredes dos hospícios e ganha visibilidade na literatura. No Brasil, em rápida conta, poderíamos citar referências como Lima Barreto, Machado de Assis, Aníbal Machado, Graciliano Ramos e Campos de Carvalho. Destes, servimo-nos de Rosa como introdução, passamos por Machado e encerramos com um grego, Eurípides. Observamos como a escolha das palavras na narrativa marca um ritmo(3) circular e inexato que constrói um estado peculiar de demência. Não se trata de uma abordagem inovadora. Eloésio dos Reis, que segue hipóteses de Soshana Felman, mostra que há "uma afinidade profunda entre o discurso literário e o da loucura" (Reis, 2004, p. 17). Loucura e literatura se irmanariam pelo "fato de não serem portadoras de um sentido, mas de um "ritmo" imprevisível, imensurável e indizível, ainda que fundamentalmente passível de narração" (Reis, 2004, p. 22).

Com esse princípio buscaremos o ritmo de constituição de um louco nos autores mencionados, para demonstrar que existe uma técnica de base grega para construir, no discurso, a desrazão, nomeadamente, o uso de uma circularidade -ciranda-, do ritmo bem marcado, da enumeração de ações e afecções que vão e voltam em vertigem. Este é o nosso propósito: apresentar mecanismos poéticos presentes tanto em textos brasileiros quanto no texto grego escolhido para materializar o estado da aventura mental e da transmutação dos sentidos que chamaremos "loucura". Detectemos, então, agentes textuais poéticos que mimetizam os sandeus e marcam os desvios. A técnica mantém solidariedade e espaço comum com a realidade, distinguindo por alterações sutis sãos e insanos. São movimentos ritmados e repetitivos desde a Grécia.

O ensaísta Fábio Lucas narrou em detalhes a visita de Machado de Assis a Barbacena, sede do malfadado Hospital Colônia e terra de nascimento de Pedro Rubião, protagonista do romance Quincas Borba. Segundo o ensaísta, o escritor foi até a cidade movido "pelo estudo das condições extremas da alma humana" (Lucas, 2009, p. 85). Mas, de Machado, interessa-nos apenas um passo. O final do livro, quando o médico de Rubião e Cristiano Palha divergem a respeito do estado mental do homem. Palha diz-se amigo e sócio de Rubião. Depois da primeira crise de demência torna-se seu tutor, contudo, no período manicomial, afirma não poder detectar a loucura do parceiro somente pelo discurso. A situação é narrada em parágrafos4 curtos e ritmo circular e imprevisível:

Como achar, porém, o nosso Rubião nem o cachorro, se ambos haviam partido para Barbacena? Oito dias antes, Rubião escrevera ao Palha que o procurasse; este acudiu à casa de saúde, viu que ele raciocinava claramente, sem a menor sombra de delírio.

-Tive uma crise mental, disse-lhe Rubião; agora estou bom, perfeitamente bom. Peço-lhe que me ponha fora daqui. Creio que o diretor não se oporá. Entretanto, como quero deixar algumas lembranças à gente que me tem servido, e servido também ao Quincas Borba, veja se me pode adiantar cem mil-réis.

Palha abriu a carteira sem hesitação, e deu-lhe o dinheiro.

-Vou tratar de o fazer sair, disse ele; mas, provavelmente são precisos alguns dias (estava em vésperas do baile); não se aflija por isso; daqui a uma semana está na rua.

Antes de sair, consultou o diretor, que lhe deu boas notícias do enfermo. Uma semana é pouco, disse ele; para pô-lo bom, bom, preciso ainda uns dois meses. Palha confessou que o achara são; em todo caso, mandava quem sabia, e se fossem necessários seis ou sete meses mais não precipitasse a alta. (Machado, s. d., p. 166)

O tempo está assinalado em vaivém com progressão: oito dias para Palha decidir visitar Rubião; tempo curto e impreciso para Rubião se despedir dos amigos; entrega imediata do dinheiro a Rubião; expectativa de retardamento para Rubião sair do sanatório (a alta repentina seria inconveniente); Palha prevê uma semana de espera para a alta; o médico, avalia dois meses, ou seis ou talvez ainda sete. Circularidade em espiral, ritmo incerto.

Rubião não espera; foge. A partir daí, seus atos traem um estado crescente de alteração. Confirma-se o diagnóstico médico. Ao chegar a Barbacena, Rubião, confuso, debaixo de chuva, perambula, sobe e desce as ruas íngremes com o refrão "ao vencedor, as batatas". Vaga sem destino. Adoece. "[P]oucos dias depois morreu... Não morreu súdito nem vencido. Antes de principiar a agonia, que foi curta, pôs a coroa na cabeça -uma coroa que não era, ao menos, um chapéu velho ou uma bacia, onde os espectadores apalpassem a ilusão" (Machado, s. d., p. 169). Grifamos, na citação, termos que nos remetem, mais uma vez, a circularidade e imprecisão.

As alternâncias dos estados de lucidez e confusão estabelecem o jogo. O lucro que tiramos dele é a certeza de que "pensar racionalmente é apenas uma das maneiras de pensar. Caso se restringisse a ela, a criação artística jamais teria saído da mais elementar mimese" (Reis, 2004, p. 2). A sobreposição de maneiras de pensar e narrar é indicada por Wladimir Krysinski. Ele acata a necessidade de se reproduzir, no texto poético, o gesto-palavra-construtor-de-sentido em plena polivalência (Krysinski, 1979). Trata-se de detectar mudanças e imediaticidades de ações e assumir a impossibilidade de simplificação no discurso. Utiliza-se, assim, uma estrutura polirreferencial que excede a linguagem. A narrativa expõe a extravagância por meio do léxico, da sintaxe e da pontuação imprecisas.
Nesse caso, o discurso trágico é oportuno. Podemos conhecê-lo bem através da tragédia euripidiana As Bacantes. A peça, uma das obras primas do teatro antigo, encena dinâmica em que lucidez e loucura se alternam, altercam, confundem, distinguem. Entretanto, nela, o "bem-pensar" não é escolha, mas dádiva que os deuses concedem e recolhem no arco da vida de um ser humano. Ninguém pensa bem o tempo todo. Ninguém é sensato por toda a vida.

O caso mais óbvio de loucura nas tragédias áticas é o de Héracles -dentro do corpus antigo, o herói dos excessos-. Filho de Alcmena e de Zeus, ele limita com os deuses e bestas e é protagonista de lendas, de muitos áthloi, práxeis e párerga.(5) Para ele Eurípides soube extrair grande força em peça que resultou grave e intensa. Pinceladas de humanidade são produzidas e o semideus surge como um pai de familia que retorna à casa entre alegria e gracejos (Papadopoulou, 2005). O recorte que faremos é a passagem à fúria, a inversão do jogo, a rotação da fortuna, a expectativa de salvação que se reverte em chacina. Posto o herói entre dois extremos é por imposição da deusa Hera que lhe vem o delírio fatal, em lugar de salvar a família, ele a matará. A loucura que o faz assassino se torna "o catalisador que o constrange a escolher a humanização em lugar da divinização" (Papadopoulou, 2005, p. 80). Observemos: o Héracles de Eurípides chega do mundo subterrâneo depois de longa jornada. Perdido no tempo e no espaço, mergulhado em dúvidas, ele coloca questões: está perturbado com a situação de Tebas em mãos de um novo rei. Saúda sua casa e manifesta satisfação por ver novamente a luz. O comportamento muda aos poucos. A cena se passa entre Héracles, seu pai Anfitrião e sua esposa Mégara.

Héracles
Ô morada, portais e calor meus, viva!
Como te avisto feliz ao chegar à luz.
Êa! Que isto? As crias à frente da casa,
enfeites de mortos, descoroadas cabeças,
minha parceira com um monte de homens
e um pai que chora - alguma desgraça?
Tolero? Indago destes aqui perto de mim?
Mulher, que de urgente e novo chegou na casa?
Mégara
Ó mais querido dos homens...
Anfitrião
Ó fulgor que vem ao pai...
Mégara
Chegas bem, vens em boa hora pr'os amigos!
Héracles
Do que falas? A que confusão chegamos, pai?

Observe-se: trata-se da primeira fala de Héracles. ? her?i chega tardiamente (v. 523) e sua entrada é marcada pelo suspense. Com breve saudação (vv. 523-524), seu discurso se abre com uma sucessão de perguntas. Trata-se de um curto prelúdio breve -de si para si- de alguém que vem dos ínferos e constata que a sua família está "vestida para morrer" e precisa ser salva do extermínio. Mas ele cumprirá o papel teatral de uma personagem que ficará demente e, em lugar de proteger, matará. Tudo será regido por espanto, choque e incerteza. Em grego temos a estruturação a partir de partículas exclamativas e interrogativas. Héracles se expressa através de fórmulas recorrentes em textos euripidianos (Eurípides, 1998). A interjeição ?? marca desagrado e surpresa. O vocativo (?????) registra um suave pedido de socorro. No trecho citado, nos nove versos de Héracles, há cinco ocorrências do pronome interrogativo ??. A inquietação pessoal, ao fim, amplia-se em uma primeira pessoa do plural (???µ??). Coincidem com os trechos brasileiros a atmosfera de brilho (Rosa) e instabilidade (Machado). Na tentativa de apaziguar a ansiedade e oferecer subsídios para o entendimento do que se passou, Mégara e o pai adotivo, Anfitrião, respondem. Héracles, porém, se excita e anuncia o seguinte:


Héracles
Não! Tirai fora estas grinaldas infernais e
mirai o alto fulgor amigo triunfal, em vez
das trevas lá de baixo, c'os olhos escancarados!
E eu -obra p'ra meu braço é mesmo agora-
vou e, primeiro, derrubo a casa dos novos
chefes e o cabeça, o ímpio, eu que talho;
lanço o retalho pr'os cães! Os de Cadmo
-por mim benquistos- a quantos frouxos
encontrar, com clava invicta abato! A eles,
com dardos alados, espicaço, encho do
sumo de mortos todo o Ismeno e até a
cristalina fonte Dirce vai se ensanguinhar.
A quem urge mais acudir senão a esposa e
os meninos e o velho? Vivam as pelejas! Em
vão lutei por tantos; estes, sim, valem mais. Por
eles carece -já que são pelo pai- que eu,
acudindo, morra! Qual quê! Que diremos?
"Belo é com a hidra e o leão, os que Euristeu
enviou, entrar na luta!?" e eu, com a morte por
minhas crias não hei de me acabar? Ara! Não!
Assim não me chamo Héracles, o invicto.

Héracles, como se vê, exalta-se, projetando suas ações triunfais com verbos em profusão. O futuro marca um devaneio; o particípio confirma o agente. Tentamos forjar a imediaticidade nas ações traduzindo o futuro grego -condensado e breve- e, algumas vezes, o particípio, pelo presente histórico. O artifício foi imperioso para recuperar o instantâneo do pensamento do herói. Para exprimir a excitação de Héracles, utilizamo-nos igualmente da aglutinação -"com os" por "c'os"; "para os" por "pr'os"-. Inserimos o pronome pessoal de primeira pessoa à frente dos particípios -eu que talho-, evitamos perífrases, mesóclises e formas oblíquas que materializam ações estendidas no português. Preservamos as lacunas -lugar dos gestos- e pontuamos o texto em frases curtas. Para manter o tom épico, aludido por Bond (Eurípides, 1988), utilizamos o arcaísmo "espicaçar" e o termo raro "ensanguinhar". O ritmo é acelerado.

Depois desses arroubos, Anfitrião acalma o filho, leva-o para casa. Cumprir-se-iam os ritos purificatórios. O coro dança e canta. A disputa acirrada entre Anfitrião e Lico, o novo tirano, abre o terceiro episódio. O coro canta novamente e prevê vingança. Os gritos de Lico e seu mortal silêncio exibem a vitória do herói. Se havia insânia, ela se foi: fez-se justiça. O coro exulta, mas, no ápice, Íris mensageira e Lyssa louca surgem ex-machina. Novo abalo. Estamos na esfera do medo. O coro lamenta. O mensageiro vai fabricar o enlouquecido que matará os filhos e a consorte. Somos espectadores de palavras. Ele conta: estão preparadas as vítimas e os cestos de oferendas; Anfitrião, a mulher e os filhos se colocam em torno do altar; fez-se o silêncio sagrado. Qualquer quebra do silêncio sagrado é mau agouro,(6) mas a mutação começa por manifestações somáticas até um riso tresloucado ferir o silêncio. Um simples ?? faz a transição.(7)


Mensageiro
Já ia levando, co'a mão direita, o tição
para afogar na caldeirinha, aí, o filhote
de Alcmena estacou calado. Então, no pai
sustado os meninos puseram vista: e ele se
esquisitou, mas no colorido das vistas era um
morto, as fibrinhas dos olhos? Vermelho-sangue,
estufadas. Da barba fechada uma espuma corria.

A circularidade está presente a partir dos olhos. Os meninos percebem o olhar do pai, estático. A criança menor divisa morte e sangue no olhar do pai. A focalização deles foi apontada na descrição de Lyssa, é repetida aqui e será retomada (Papadopoulou, 2005). Tudo é visão. Também para o médico e escritor Guimarães Rosa, o olhar é índice de loucura. A partir disso, tal como postulou Krysinski (1979, p. 3), se vai do sistema psicossomático até o verbal. Os passos são a suspensão -??? ??????????? ??????-, o menino vê o demorado agir do pai;(8) a somatização, olhos ensanguinhados, e a boca, órgão essencial para a fala, que espuma. Héracles fala quando é proibido falar; ri quando a alegria lhe é negada (Papadopoulou, 2005).

e disse junto com desatinado riso: "Pai,
que consagro antes de matar Euristeu com
fogo purificador? Mais duas tarefas tenho:
obra pra uma só mão, a minha! Isso faço bem!
No que arrasto pra cá a cabeça de Euristeu,
aí, sobre esses mortos, lavo as mãos.
Vertei bicas! Das mãos, largai os cestos!

O riso histérico e inoportuno misturado à fala organizada e ao discurso direto marcam a transgressão. O tom há de surpreender.(9) Embora se pressinta um delírio iminente, Héracles tem consciência de seu entorno, vê os objetos litúrgicos e parece estar no controle de si. A enumeração dos duplos trabalhos (?????? ???????) denota exatidão, todavia, tudo é derisão. Continuemos:


Quem me dá o arco? E a arma de mão, quem?
Vou pra Micenas. Carece pegar ferrolhos e
forcados já que os alicerces ciclópicos são
ajustados na medida fenícia e com chibancas,
foice de aço, outra vez, esmigaçar! Aí,
subiu no carro dele, um que ele não tinha,
falou e entrou na boleia do coche, feriu
com o açoite, com se um na mão tivesse.

A agitação e a caça desmedida se iniciam. O desvairado busca armas e ferramentas -inapropriadas para um herói-, sofre de fantasias megalomaníacas (Euripídes, 1990; Jong, 1991). Pontuamos com interrogativas o estado de confusão. No delírio, está em Micenas. Forja objetos com o ar tal como em Machado e concretiza a descoberta e a conexão de dois sistemas distintos: o real e o imaginado. Desse modo o discurso de Héracles é, na fantasia, lógico. Sua demência não altera seu raciocínio.(10) Após o sacrílego ato de falar e rir ele se transferiu para Micenas e, lá, fará banalidades. Agita-se mais e grita impropérios para Euristeu: recupera o comportamento do herói mítico e se põe a combater (Papadopoulou, 2005). Profusão de verbos de ação e movimento. O pretérito imperfeito registra a duração e o desgaste da alucinação. Os particípios marcam os atos repentinos ações-resultados-fatos -traduzidos pelo presente histórico-. Em 959, o uso do imperfeito do mensageiro que fala, em tom de aparte, cria uma incerteza atroz.


E ele ia-e-vinha pela casa, acima e abaixo,
No que foi pro meio da sala, em Niso
alegou chegar. Entra, moradas adentro,
deita em nada, aí acomoda, prepara um
festim. No curto tempo, atravessa -dizia
subir os prados ermos do bosque Istmo.
E ali põe o corpo nu, sem roupas,
disputava com ninguém e alardeava, ele
pra ele, vencedor de ninguém, ele mesmo
escutava o sobredito. E pra Euristeu berra pragas,
estava em Micenas... pelo dito.

A loucura é a fusão entre os espaços reais e os imaginados. A movência visualiza a circulação centrípeta da fusão. Há um acúmulo de advérbios, preposições e partículas que amarram ações inconclusas. A consoante forte "?/k" (v. 954) realça o som abrupto e o ritmo intempestivo. Os eventos e gestos narrados só ocorrem para o alucinado -entrar, deitar, comer, avançar, disputar, vencer-. Ele entra no "oco sem beiras",(11) "deita no nada", é, "pelo dito", "vencedor de ninguém". Como elemento prático na peça, a palavra leva a audiência para dentro da alienação. Assim cumpriu-se o plano de Lyssa:(12) no modelo antigo, a partir do jogo filosófico -frequente na ironia trágica e recorrente em Eurípides-(13)entre "verdade e aparência".(14) O par é útil para a elaboração da loucura. Nesse enfoque, a mania passa a ser uma confluência de estudos: psicológicos, clínica médica, linguagem e filosofia.(15) De qualquer modo, a demência constituir-se-á da fragmentação na linguagem pela técnica retórica da dissociação de noções. "O raciocínio por dissociação caracteriza-se, desde o início, pela oposição entre a aparência e a realidade. Esta pode ser aplicada a qualquer noção, desde que faça uso dos adjectivos 'aparente', 'ilusório', por um lado, "real", "verdadeiro" pelo outro" (Perelman, 1993). Há expressões análogas nos trechos citados e, de fato, por meio desse elemento a audiência pode identificar o que se passa com o herói, ela visualiza a fragmentação de seu ????, de sua mente. Coerente em seu delírio, Héracles fala e age; sua fala marca a cena em outra realidade. Esse outro lugar do texto (950-953), na sua razoabilidade, permite a reação dividida dos servos:

Aí, tinha riso e medo juntos nos dois acólitos.
E um, encarando o outro, disse isto:
O senhor brinca conosco ou enlouqueceu?

A técnica de aliar o falar razoável a um fazer absurdo provoca a fragmentação da realidade que se situa entre realidade fenomênica e a numênica (Perelman, 1993) este é o caminho para os "níveis de fragmentação e registros de distorção" (Krysinski, 1979). Afinal, aparência e realidade podem parecer a mesma coisa, sendo, contudo, incompatíveis. Este é o leitmotiv da cena de loucura de Héracles. Assim, se a aparência tem um estatuto equívoco, o homem deve buscar a luz e retirar o manto que encobre sua cabeça.(16) A palavra, nessa perspectiva, é rota de fragmentação. Resta-lhe apenas a perda do reconhecimento.

Então o pai
segura-o pelo braço robusto e roga assim:
"Ô filho, que te deu? Que estranhos modos
esses? Acaso te baqueou a sangria dos mortos,
os que agora mataste? E ele, que pensou ser
Euristeu o pai medroso e suplicante, a mão retém
e empurra, aí, com o carcás abastecido e o
arco, os filhos dele -que de Euristeu acha ser-
vai pra matar. E eles -um e outro- tremendo
de medo se jogam um ao vestido da triste mãe,
o outro no escuro, atrás de um pilar, e o outro,
avezinha assustada debaixo do altar.
Urge então a mãe: ó pai, que fazes, matas
as crias? Urge então o velho e mais o povo da casa.

O narrador provoca uma contaminação emocional, em amplificatio: compaixão de Anfitrião, violência de Héracles, medo das crianças, histeria da mãe, desprezo pelas súplicas do pai, histeria do pai e de toda a casa. O louco não reconhece os seus. Numerosos marcadores de movimento descrevem a fuga das crianças, dispersam o olhar, desestabilizam os corpos. O discurso do mensageiro tem duas direções: o crescente desvario de Héracles e o pânico geral, a turbulenta interação familiar se transforma em catástrofe, ruptura entre o real e a linguagem. A dissociação no discurso se muda em sparagmós, o dilaceramento ritual de Dioniso, uma ciranda de loucos:

E ele encurrala o menino, na roda do pilar
com um giro terrível do pé, estaca de frente e
contra o fígado atira. Tomba pra trás, as pedras
pilares empapou: uma vida expira.
E ele alaridou e gloriou assim: "Este
é um pintinho de Euristeu que caído
morreu; quitou meu ódio pelo pai."
Aí, retesa o arco para um que, mofino, ao sopé
do altar, rente, escondido, pensava estar,
mas o infeliz, de joelhos caído corre pr'o
pai e ao pescoço se joga; mão na barba:
"Ô querido, grunhiu, me mate não, pai!
Sou teu, teu menino, não matas o de Euristeu!"
E ele, as vistas de Górgona, furioso, rodopia
-pois o menino se pôs perto do infame arco-
e finge ferro quente bater e malhou sobre a cabeça;
a tora desceu direto na cabeça ruiva do menino,
moeu seus ossos. Mal puniu o segundo, avança
pr'a terceira vítima tal qual os dois de antes imolou.
Mas corre -casa adentro- a triste mãe que
no colo o leva. Tranca os portões. Mas ele
estava diante deles, os ciclópicos muros, e
afunda, alavanca a porta e, no que derriba marcos,
esposa e menino, com um só dardo, abate. Aí,
então, encavala-se. Vai pr'a sangrar o velho!
Porém, surgida vem, de olhar, brilhante,
Palas que vibra lança...

Abundância de imagens circulares. A roda do pilar, o giro do pé, olhos que rodopiam como os da Górgona. Oportuna também é a inserção da metáfora do ferreiro. A cena se enche do vermelho vibrante do ferro incandescente que atravessa a cabeça da criança. A caça continua. Após o morticínio da mulher e dos três filhos, Atena será agente purificador. A deusa surge, atira uma pedra no peito de Héracles e impede-o de matar o próprio pai (Burkert, 1983). Ele cai em sono profundo e nós descansamos. Se tomarmos a opinião de Sócrates, no Fedro, como parâmetro, a µ???? seria bênção para o filho de Alcmena; afinal, pela demência ele acha o caminho de Atenas. Concluimos enfim que viver é mesmo "um trem de louco" e a literatura explica bem esse jogo!

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RECIBIDO: 14/1/2016
ACEPTADO: 28/4/2016

 

 

 

Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil. Correo electrónico: tereza.virginia.ribeiro.barbosa@gmail.com

 

NOTAS ACLARATORIAS

1. antigo centro de saúde guarda, entre documentos e instalações, todo um inventário de violência. Vemo-nos diante da miséria humana, espetáculo trágico de todos os tempos. Nos arquivos encontramos, por exemplo, o prontuário de João Adão, o último paciente a sofrer a controvertida cirurgia de lobotomia/leucotomia, que consistia em cortar a ligação nervosa entre o córtex pré-frontal e o restante do cérebro, método que "acalmava" o paciente. A técnica foi criada pelo médico Antônio Egas Moniz, que, por esse procedimento, recebeu o Prêmio Nobel
de 1949. Muniz, embora preservasse a memória do paciente, com a técnica, alcançou meios para fazer de seus internos furiosos ou possessos "seres vegetativos".
2. A palavra "telhado", utilizada no diminutivo, significa, no uso informal, "grande mania", "desvario". Além disso, o termo remonta sonoramente também a "tombadilho", isto é, parte mais elevada dso navios que vai do mastro da mezena até a popa.
3. Do grego, ???µ??, movimento regrado e medido; tempo, cadência.
4. Parágrafos. Do gr. Parágrahos, sinal (geralmente -) com que se marcava as diversas partes do coro ou da parábase que correspondem na tragédia e na antiga comédia, pelo lat. paragraphu-, "parágrafo, marca para distinguir as diversas partes duma exposição" (Machado, 1995, p. 7).
5. Os trabalhos impostos por Euristeu são chamados ?????; ??????? são atos gloriosos autônomos e, por fim, ??????? são as pequenas aventuras realizadas durante os doze anos em que se cumpriam os ?????.
6. Cf. Ésquilo, Coéforas, vv. 84-99; Eumênides, vv. 445-450. Orestes foi recebido em Atenas, mas mediante o silêncio (cf. Eurípides, Orestes, vv. 879-959).
7. O uso do ?? é regular na fala de mensageiros. Ele cumpre a transição dos discursos diretos para os narrativos (Jong, 1991, pp. 168-169), a pesquisadora observa os versos 953, 967, 977, 990.
8. Quem melhor traduz este estado é Guimarães Rosa, no conto referido e da seguinte forma: "um repouso estatelado" (Guimarães Rosa, 1998, p. 20); outra expressão feliz: "Em tanto que se esquisitou, parecia que ia perder o de si, parar de ser" (p. 21). O grifo é nosso.
9. Para Krysinski a "incursão da loucura no sistema significativo da linguagem" é espécie de metatópico que invade, impregna e ultrapassa o físico. É a interferência de dois sistemas: o psico-emocional e o linguístico (Krysinski, 1979, p. 3).
10. Em Machado temos: "uma coroa que não era, ao menos, um chapéu velho ou uma bacia, onde os espectadores apalpassem a ilusão" (Krysinski, 1979, p. 3).
11. Guimarães Rosa (1998, p. 21) assim descreve a loucura de Sorôco.
12. Cf. vv. 943, 947-950, 955, 963, 967-971, 982, 998 do Héracles de Eurípides.
13. Orestes, v. 255; Hipólito, vv. 432; 1414; Bacantes, vv. 309; 312; 629-630.
14. Cf. Parmênides (Diels, 7 e 8) e Platão também. Na República, livro VII, o filósofo imagina uma linha que parte do mundo visível (doxasta) e deve chegar até o mundo inteligível (noeta). O mundo visível estaria próximo da ????, o mundo inteligível da verdade. Rocha Pereira para a República, afirma: "Não é menos importante a antinomia entre opinião e saber, entre doxa e sophia, que tínhamos visto ao terminar do Livro IV e que vai tomar forma nítida na alegoria da Caverna. (VII. 514 a-518 b)" (Platão, 1983, p. XXX).
15. Não afirmamos que os antigos tratavam a loucura como uma questão de linguagem. É famoso o estudo sobre epilepsia no De morbo sacro atribuído por uns à escola de Cós, por outros à de Cnidos. Tanto uma quanto a outra teriam sido fundadas entre fins do séc. V e início do IV. Platão classifica a loucura como profética, ritual, poética e erótica. Dodds (1998) faz um estudo detalhado do assunto. Eurípides resolve a situação na observação dos enganos que a linguagem pode gerar.
16. Há forte simbolismo na cena de encontro entre Héracles e Teseu (v. 1159, vv. 1198-1217, vv. 1226-1228). Bond afirma: "Heracles gives two separate reasons for veiling himself; [...] (a) he is ashamed; (b) he fears he may infect Theseus" (Eurípides, 1988, p. 361). Descobrir a cabeça e ouvir Teseu abre para Héracles nova perspectiva, ele abandona a vergonha pelo ato perpetado e os escrúpulos de contaminação. Dessa forma ele assume sua condição mortal.

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