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Revista Cubana de Enfermería

On-line version ISSN 1561-2961

Rev Cubana Enfermer vol.30 no.3 Ciudad de la Habana July.-Sept. 2014

 

ARTÍCULO ORIGINAL

 

Vivenciando o tratamento hemodialítico pelo portador de insuficiência renal crônica

 

Viviendo la hemodiálisis por el portador de la insuficiencia renal crónica

 

Experiencing the hemodialysis by the bearer of chronic renal failure

 

 

Enf. Cristiane Ferreira SilvaI; Enf. Thalita Ribeiro Santos II; Enf. Thiago Luis de Andrade-BarbosaI; Carla Silvana de Oliveira e SilvaI; Ludmila Mourão Xavier-GomesIII

I Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Minas Gerais, Brasil.
II Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil.
III Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Minas Gerais, Brasil.

 

 


RESUMO

Objetivo: compreender como o portador de Insuficiência Renal Crônica (IRC) percebe a doença e o tratamento hemodialítico.
Métodos: estudo descritivo, com abordagem qualitativa com a utilização da Teoria Fundamentada nos Dados como referencial teórico-metodológico. O cenário do estudo foi uma unidade hemodialítica terceirizada que presta serviço ao Sistema Único de Saúde localizada no município de Montes Claros, Minas Gerais. Os dados foram coletados com 14 portadores de IRC através de entrevistas semiestruturadas.
Resultados: identificaram-se três categorias: “Enfrentamento à hemodiálise: uma questão não resolvida”; “Espiritualidade e família” e “Expectativa em relação ao tratamento”. Por meio das categorias, foi possível chegar ao fenômeno “Vivenciando o tratamento hemodialítico”. Os discursos dos entrevistados evidenciaram formas diversificadas de enfrentamento à doença renal crônica e à hemodiálise. Alguns percebem a vida com grandes limitações. Outros enxergam no tratamento uma forma de manutenção da sobrevivência.
Conclusões: o portador percebe as diversas modificações após a doença e que o tratamento dele é enfrentado positivamente quando o vê como uma forma de manutenção da vida; porém ele vê de forma negativa quando há sentimentos de dependência da máquina de hemodiálise e limitações. As expectativas acerca do transplante renal foram ambivalentes, uma vez que alguns manifestavam interesse em transplantar, enquanto que outros, por causas específicas, não vislumbram sua realização.

Palavras-chave: unidades hospitalares de hemodiálise; atividades cotidianas; insuficiência renal crônica; enfermagem.


RESUMEN

Objetivo: comprender como la persona con insuficiencia renal crónica (IRC) en hemodiálisis percibe la enfermedad.
Métodos: estudio descriptivo con enfoque cualitativo, con el uso de la Teoria Fundamentada en los Datos. El escenario del estudio fue una unidad de hemodialisis que brinda servicios de outsourcing para el Sistema de Salud en el município de Montes Claros, Minas Gerais. Los datos fueron recolectados con 14 personas con IRC a través de entrevistas semi-estructuradas.
Resultados: la codificación y análisis de datos permitió la identificación de tres categorias. “Frente a la hemodiálisis: un problema no resuelto”, “La espiritualidad y la familia” y “La esperanza en relación al tratamiento”. Se puede llegar entonce s al fenómeno “Viviendo la hemodiálisis”. Los discursos de los encuestados revelaron diversas maneras de hacer frente a la enfermedad renal crónica y hemodiálisis. Algun os ven la vida con grandes limitaciones. Otros ven una forma de tratamiento en el mantenimiento de la supervivencia.
Conclusiones: el usuario percibe varios cambios después de la enfermedad y su tratamento; se enfrenta positivamente cuando lo ve como una forma de mantener la vida; sin embargo, es negativo cuando hay sentimientos de dependencia de la máquina de hemodiálisis y limitaciones. Las expectativas sobre el trasplante renal eran ambivalentes, porque algunos manifiestan cierto interés en el trasplante, mientras que otros, debido a causas específicas, no prevén su realización.

Palabras clave: unidades hospitalarias de hemodiálisis; actividades cotidianas; insuficiencia renal crónica; enfermería.


ABSTRACT

Objective: To understand how the person with chronic renal failure (CRF) and realize the disease hemodialysis.
Methods: It is a descriptive study with a qualitative approach with the use of Grounded Theory as theoretical and methodological reference. The study setting was a hemodialysis unit that provides outsourced services to the Health System in the municipality of Montes Claros, Minas Gerais. Data were collected with 14 CRF through semi-structured interviews.
Results: The coding and data analysis allowed the identification of three categories. “Facing hemodialysis: an unresolved issue”, “Spirituality and family” and “Expectancy in relation to treatment”, being possible to reach the phenomenon “Experiencing the hemodialysis”. The speeches of the respondents revealed diverse ways of coping with chronic kidney disease and hemodialysis. Some see life with great limitations. Others see a form of treatment in the maintenance of survival.
Conclusion: It is concluded that the wearer perceives several changes after the disease and his treatment is positive when faced sees it as a way of maintaining life, but they see it as negative when there are feelings of dependence on hemodialysis machine and limitations. The expectations on renal transplantation were ambivalent, because some manifested interest in transplanting, while others, due to specific causes, not envisage its realization.

Key words: hemodialysis units, hospital; activities of daily living; renal insufficiency, chronic; nursing.


 

 

INTRODUÇÃO

A Insuficiência Renal Crônica (IRC) constitui um dos principais problemas de saúde pública no país. Consiste na perda progressiva e irreversível da função renal (glomerular, tubular e endócrina). Na fase mais avançada da doença os rins não conseguem mais manter a normalidade do meio interno do paciente. Nesse sentido, torna-se necessário o uso de terapêuticas substitutivas da função renal, sendo uma delas, a hemodiálise, aliviando os sintomas da doença e preservando a vida do portado de IRC, porém sem caráter curativo.1,2

A dificuldade de adaptação do portador de IRC ao novo estilo de vida pode ser verificada logo no início do tratamento, pois se trata de uma situação em que a ansiedade se faz presente durante todo o processo. Entende-se que algumas características de adaptação a situações novas são compreendidas por meio do perfil de personalidade do portador, sendo este um fator preponderante no que se refere à adesão ao tratamento.3 Além disso, esses indivíduos, em geral, desenvolvem depressão, comportamento não cooperativo, disfunção sexual, dificuldades relacionadas à ocupação e reabilitação. Neste sentido, a doença interfere na qualidade de vida, comprometendo o seu bem-estar físico e social.4

Em relação ao tratamento hemodialítico e a doença renal crônica, destaca-se que, para alguns indivíduos a vida passa a girar em torno destes dois pontos, ou seja, em torno da doença e do tratamento. Para outras pessoas a hemodiálise passa a representar uma esperança de vida diante da irreversibilidade da doença e também da espera pelo transplante renal.5

Vale ressaltar que a dependência da máquina provoca alterações psicológicas, fazendo com que os portadores de IRC passem a ter uma nova percepção de sua situação, além de contribuir para um sentimento de perda de controle de seus corpos e destinos.6 Além disso, os limites impostos pelo tratamento hemodialítico levam os portadores a enxergar essa terapêutica sob uma ótica negativa, uma vez que ocasiona comprometimento na realização de atividades de vida diária, impactando, sobretudo, nas atividades laborais e domésticas.6

Cada indivíduo possui uma forma singular de lidar com a doença e o tratamento, bem como com o impacto que provocam na vida das pessoas que compõem sua rede social.7 Nesse contexto, o presente estudo objetivou compreender como o portador de IRC percebe sua doença e o tratamento hemodialítico.

 

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa, cujo referencial metodológico adotado foi a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD). A TFD busca compreender como é a realidade apreendida na percepção ou a significação que determinado contexto ou objeto representam para a pessoa. Propicia ainda a geração de conhecimento à medida que as experiências vivenciadas pelas pessoas são compreendidas. 8

A pesquisa foi realizada em uma unidade hemodialítica de um hospital filantrópico do município de Montes Claros, Minas Gerais, que possui área de abrangência no Norte de Minas e Sul da Bahia. A seleção dos entrevistados constituiu-se pela identificação dos pacientes que estavam em hemodiálise no livro de registro da unidade de hemodialítica estudada. Os critérios de inclusão foram: portadores de IRC submetidos exclusivamente ao tratamento hemodialítico, que hemodialisavam por um período superior a dois anos e que ainda não foram submetidos ao transplante renal.

O número de participantes foi determinado pelo processo de amostragem teórica, um dos pressupostos da TFD. A amostragem teórica é determinada pelo problema de pesquisa e possibilita a identificação e o desenvolvimento de conceitos pela coleta, codificação e análise dos dados. Em seguida, o pesquisador determina os tipos de dados que serão coletados e quais e quantos deverão ser os participantes das amostras, com o intuito de desenvolver o modelo teórico que está sendo construído.9 Ressalta-se que os passos da TFD foram seguidos de modo que a coleta de dados e a análise de dados ocorreu concomitantemente. A coleta ocorreu até que a saturação teórica foi atingida, ou seja, quando houve a repetição ou nada de novo era referido pelos participantes do estudo.

Para a coleta de dados, aconteceu entre abril e julho de 2011. O instrumento utilizado foi a entrevista não estruturada individual contendo perguntas abertas, as quais foram gravadas em áudio para registro dos discursos. A questão norteadora foi “qual é a sua percepção sobre a doença renal e o tratamento pela hemodiálise?” Durante as entrevistas houve o registro das notas de observação do pesquisador para subsidiar a análise. A coleta de dados foi feita pelos estagiários de enfermagem sendo selecionado local reservado dentro do próprio recinto do hospital para permitir com que os entrevistados expressassem suas percepções. A duração média das entrevistas foi em torno de uma hora e quinze minutos.

Para a análise dos dados utilizou-se a distribuição vertical do discurso, transcrevendo as gravações, codificando e identificando os conceitos, e descobrindo nos dados suas propriedades e dimensões (codificação aberta); logo após relacionando as categorias às subcategorias, o que é denominado como codificação axial. Essas etapas serviram de base para a codificação seletiva, uma etapa posterior na qual as categorias e subcategorias se integram e refinam-se, o que possibilitou emergir um fenômeno central que também é denominado de teoria do estudo.9

Os aspectos éticos foram considerados durante o desenvolvimento da pesquisa. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Funorte mediante o Parecer no 01599/11. A aceitação dos sujeitos foi efetivada com a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido, e à instituição adotou-se o Termo de Concordância Institucional. Para manutenção do anonimato as falas dos sujeitos foram identificadas com a letra E, seguidas de algarismos arábicos que representam à ordem das entrevistas.

 

RESULTADOS

O fenômeno “Vivenciando o tratamento hemodialítico” é integrado por categorias que revelam a experiência da pessoa com IRC desde o momento em que percebe que algo não está bem até o enfrentamento e aceitação do tratamento. Dentre as inúmeras repercussões da IRC, o tratamento de hemodiálise é um dos elementos de destaque nesse processo. Assim, “passando pela experiência do tratamento”, é compreendido a partir de duas categorias que envolvem: “Enfrentamento à hemodiálise: uma questão não resolvida”, “Espiritualidade e Família” e “Expectativas em relação ao tratamento”. O fenômeno “passando pelo tratamento hemodialítico” é demonstrado por meio do diagrama constante na figura.


Enfrentamento à hemodiálise: uma questão não resolvida

Nessa categoria é retratada a experiência do adulto que hemodialisa, revelando sentimentos de negação ou aceitação e procurando vivenciar o processo adaptativo. Essa categoria é composta de duas subcategorias sendo: “autopercepção da vida antes da doença” e “sofrendo mudanças no dia-a-dia”.

Autopercepção da vida antes da doença

Os pacientes renais crônicos percebem a vida com grandes limitações após a doença, o que é observado no relato acerca do comportamento e das atividades de vida diária. A impossibilidade de trabalhar, de viajar, praticar exercícios físicos e mudanças dos hábitos alimentares, emergiram com maior preponderância; isto em detrimento à vida antes da doença. Esses fatores foram constatados nos depoimentos sendo traduzidos em sentimento de maior perda:

Alterou muita coisa, pois até pouco tempo eu trabalhava e ainda fazia exercícios. Hoje eu não posso mais. E6

Antes eu fazia de tudo, antes eu trabalhava em firmas, depois em fazendas; então minha vida era assim. Agora não posso fazer mais nada, não posso pegar peso, não posso viajar. E12

Sofrendo mudanças no dia-a-dia

Os relatos abaixo revelam mudanças em decorrência das condições da doença e do tratamento:

Hoje é só complicação. Mudanças muito grandes. Mudou tudo, não tenho condições de trabalhar e nem de viajar; porque se você viajar tem que ir para uma cidade que tem hemodiálise e tem que levar o capilar (dispositivo da máquina de hemodiálise com função de filtragem de sangue para remoção de escórias e metabólitos). Você não pode viajar para uma cidade e ficar dois ou três dias sem vir a um hospital. E2

Não mudou, acabou com minha vida. Não faço nada, não aguento trabalhar e a única viagem que faço é de casa até ao hospital. E13

Os portadores de IRC apontam limitações que acompanham o tratamento hemodialítico interferindo na qualidade de vida.

Minha alimentação mudou muito, agora tenho restrição de alguns alimentos, tenho que fazer uma alimentação balanceada. E6

Eu tenho medo de viajar devido o tratamento, e por causa da máquina também aí nem pode viajar. E14

Eu vou levando, obedecendo às vezes as restrições alimentares, mais eu ainda bebo água. Nunca contento com pouca água. E13

Convivendo e aceitando a hemodiálise

Os participantes revelaram fase de “negando à hemodiálise”, buscando justificativas para as impossibilidades e limitações a que são submetidos, ou seja, agem como se a doença de fato não existisse, o que se percebe nos discursos a seguir:

Só não faço exercícios físicos por preguiça. E1

Eu já adaptei, só o problema é a demora para ligar a máquina aí eu começo a chorar; e quando vejo uma pessoa que faz hemodiálise pior que eu, aí começo a chorar. E5

Já a fase de “aceitando a hemodiálise” emerge de estratégias racionais, em que os pacientes reconhecem a função e a importância de se adequarem ao tratamento, adotando comportamentos, atitudes e práticas que perfaz as exigências impostas pela condição crônica.

Hoje eu reajo bem. A hemodiálise é minha vida, sem ela não seria nada. E2

Eu já acostumei com o tratamento, vou todos os dias que precisa ir. Já acostumei e gosto, quando não vou eu sinto falta. E14


Espiritualidade e família

A espiritualidade e o apoio da família representam mecanismos que ajudam o paciente com Insuficiência Renal Crônica a conviver com o problema, superando suas limitações e desenvolvendo sentimentos de conformidade, otimismo coragem e paciência.

Tais aspectos ainda foram expressos no presente estudo quando os pacientes referiram a doença como aceitação de uma prova dada por uma entidade superior, a qual iria também ajudá-los a passar por esse momento tão difícil conforme observado nos relatos abaixo:

Eu espero melhorar, Deus um dia vai me dar a cura. Se Deus pôs esse problema na minha vida ele vai ajudar a enfrentar, me dando cura. E9

Eu acredito em Deus e não acho que isso é um castigo, nem merecimento. Vejo que se estou passando por isso é porque eu vou aguentar. E1

A minha família aderiu ao tratamento junto comigo. A minha esposa vinha sempre comigo e ficava até o final da hemodiálise. E7

A minha família aceita, e quando eu não quero vim fazer a hemodiálise, eles sempre insistem. E10


Expectativas em relação ao tratamento

O paciente em hemodiálise revela uma postura introspectiva em relação ao convívio social. Em alguns casos os pacientes mostram-se desesperançosos; em outros, com grandes expectativas de cura e/ou realização do transplante renal.

Não tenho expectativas, vou ficar até a hora que dar certo (...). Antigamente o tratamento de hemodiálise era muito ruim. A máquina era igual máquina de lavar roupa. A gente sofria muito, pois o tratamento que existia era muito precário e o peso não abaixava. Mas hoje eu tenho a certeza que estou bem, e que o tratamento é bom e com a hemodiálise eu fico bem (...). E1

A máquina é a salvação da gente se não fosse ela eu era bem pior, tem dia que chego aqui sem aguentar e dialiso e fico melhor (...). Espero melhora, uma cura, porque não posso fazer o transplante por causa da diabetes que tenho. E11

Eu espero a vida acabar assim mesmo, eu hemodialisando até o final, se um dia aceitar a fazer um transplante e der certo aí vai ser diferente (...). E12

O sentimento de negação ao transplante também foi identificado naqueles pacientes com idade mais avançada e que já vivenciaram a doença renal há muito tempo, e ainda naqueles pacientes que já foram submetidos ao transplante, mas que por razões específicas voltaram a dialisar.

Melhorar tá difícil e transplantar eu não quero, enquanto eu conseguir ficar empurrando com a barriga eu vou empurrar (...). Se hoje fosse igual antigamente, aí sim eu queria o transplante, porém hoje é diferente. A máquina é outra coisa, muito bom, com esse tratamento agora nem preciso de transplante (...). Já fui transplantada mas hoje não quero mais. Não quero porque penso nos remédios que precisa tomar depois que faz o transplante; são imussupressores e são horríveis. E1

Eu não espero uma melhora não, já tô velha. Tenho um monte de problema, vou vivendo não quero transplante, vou vivendo (...). E10

Já saiu pra mim três oportunidades de transplante mais eu não quis, eu tenho medo, até hoje. Não tive coragem, o meu coração não pediu isso ainda. Já pedi pra tirar o meu nome da lista várias vezes, pois não quero fazer o transplante. E12

Os pacientes que almejam o transplante renal acreditam em uma cura, na possibilidade de se absterem de tantas restrições e de se livrarem da máquina (da hemodiálise). Tais aspectos são revelados nos depoimentos abaixo:

Espero fazer um transplante para sair da máquina e poder não ter tantas restrições, como tenho com a hemodiálise (...). Tenho medo de complicar o meu problema e não encontrar um transplante. Eu estou bem, mais espero por um transplante (...). E2

Eu espero uma melhora, espero um transplante já estou na lista de espera. E14

 

DISCUSSÃO

A nova condição de vida que a IRC impõe aos portadores é constatada na dependência do tratamento hemodialítico; este, por sua vez, representa uma das principais formas de manutenção da vida. As limitações provocadas pela doença indicam que o cliente precisa modificar suas atividades e rotinas, além de disponibilizar tempo para realizar o tratamento três vezes na semana.10 Os pacientes se deparam com inúmeras perdas, geralmente o emprego, o vigor físico, tendo que se habituar com restrições alimentares e obrigatoriedade da realização do tratamento. Devido aos sinais, sintomas e tratamento da doença,10 o portador de IRC sofre uma série de limitações físicas, sociais e emocionais, incluindo dificuldades no desempenho ocupacional, restrições hídricas, dietas especiais, consultas médicas e sessões de hemodiálise, tornando a pessoa frágil e modificando o seu cotidiano e estilo de vida.11

Ao deparar com as restrições impostas pelo tratamento, os portadores de IRC sentem-se amedrontados e ansiosos por não poderem levar a mesma vida de antes. Nesse momento, esses pacientes já tomaram ciência de que são dependentes de uma máquina para sobreviverem e de que este fato acarretará extremas modificações em suas atividades laborais, alimentares e até mesmo dos aspectos do cotidiano. As restrições constituem uma forma de passar pelo tratamento e de entenderem a necessidade de adequação a um novo modo de viver. Representam para esses pacientes uma alternativa dolorosa, mas necessária, enfrentada por alguns com maiores dificuldades em adesão a terapêutica, afetando e influenciando diferentemente a vida de cada pessoa.

A forma como cada pessoa enfrenta o tratamento hemodialítico é influenciado pela vivência da nova realidade experimentada, pelo perfil psicológico e pelos significados individuais que se atribui à doença. Os mecanismos adaptativos ora vivenciados convertem-se em negação e aceitação. As percepções negativas estão diretamente relacionadas com estratégias evitativas, como: não querer falar sobre a doença; tentar transmitir a todo momento um sentimento de aceitação, mas transferindo culpados para sua atual condição.

Como evidenciado nos relatos percebe-se que o cotidiano dos portadores da IRC é afetado pelas condições impostas pelo tratamento hemodialítico. O doente renal crônico desenvolve uma espécie de aceitação acompanhada de conflitos e isolamento social. O paciente revolta-se pela sua nova condição de debilidade física, afastamento social e impossibilidade para o trabalho. O comprometimento de suas relações formais para o trabalho, afeta o indivíduo em suas potencialidades para criar e possibilidade de desenvolver suas competências e consequente valorização, abalando sua autoestima e segurança.12-14

É importante ressaltar que não existe uma trajetória linear de enfrentamento à hemodiálise. Observou-se que, por vezes, mesmo o indivíduo já adaptado ao cotidiano hemodialítico, ora vivencia a negação ora auxilia outros pacientes na adaptação da situação vivenciada. Essa trajetória também foi evidenciada no estudo realizado com pacientes da Associação de Doentes Renais e Transplantados,6 e que abordou a hemodiálise, estilo de vida e adaptação do paciente.

Os pacientes renais crônicos atribuem à fé como uma entidade superior e a espiritualidade, como fator auxiliador para manutenção do tratamento.10,15,16 A valorização desses fatores são questões incisivas nos discursos dos pacientes, uma vez que reafirmam, uma sensação de conforto e apoio psicológico que, notadamente, servem como fonte de enfretamento da doença e de suas consequências.

O engajamento da família no contexto hemodialítico junto ao paciente é fundamental na experiência de se passar pelo tratamento e pelo processo de aceitação, que, consequentemente, ocorrerá de maneira mais dinâmica, esperando resultados mais positivos e contribuindo expressivamente para que o indivíduo assimile e responda melhor à terapêutica. Observa-se que as pessoas que se sentem apoiadas pelos familiares aceitam melhor a doença e aderem melhor ao processo terapêutico. Além disso4, o acompanhamento da família durante a terapia do doente renal crônico constitui um fator imprescindível para adaptação do hemodialisado.

As expectativas articuladas pelos portadores de insuficiência renal crônica em relação à hemodiálise são diversificadas. Por vezes muitos vivenciam a desesperança e ausência de perspectivas. Outras depositam a fé em um ser superior com esperança de cura ou de se conseguir um transplante renal; enquanto que para outro grupo, o transplante renal representa uma ameaça à vida.

A desesperança engloba a ausência de perspectivas quanto ao futuro e sentimentos de tristeza e solidão, que emergem pelo fato da cura estar distante da realidade dos indivíduos. É difícil elaborar planos e ter expectativas quanto ao futuro, justamente por frustrações anteriores e por considerar que a ausência de planos torna a vida menos sofrida, pois caso estes não sejam alcançados não haverá frustração.14 No entanto, foi observado que os portadores de IRC, que não almejam o transplante renal atribuem à tecnologia empregada atualmente para a realização da hemodiálise, uma forma menos dolorosa e mais tranquila de conviver com a doença. Os pacientes que almejam o transplante já conhecem a necessidade de se fazer uso de imunossupressores e outras terapias medicamentosas, além de algumas restrições que deverão ser seguidas logo após o transplante.

O transplante renal surge como um tratamento que poderá tornar possível o resgate de sua autonomia, liberdade e melhor qualidade de vida, gerando expectativas no paciente quanto a sua retomada de uma vida normal e com novas oportunidades. Nesse sentido,17 as intervenções devem procurar prestar um atendimento integral a este indivíduo, procurando restabelecer suas condições físicas através do tratamento saúde adequado e psíquico, através do suporte e esclarecimento ao paciente e sua família.

Os resultados deste estudo divergem do trabalho desenvolvido com pacientes de Alfenas,18 Minas Gerais, Brasil que vivem à expectativa de um transplante. O transplante renal é tido como forma de libertação da obrigatoriedade da hemodiálise e aponta para a pos­sibilidade de resgatar ou não aspectos de suas vidas que foram deixados de lado. Pesquisa realizada com mães de crianças em tratamento hemodialítico19 apontou que há grande expectativa pela realização do transplante renal.

As limitações dos resultados do estudo estão relacionadas ao método adotado. O uso da pesquisa qualitativa, utilizando-se de amostra teórica limita os achados à população investigada, o que restringe a validade dos dados empíricos nos quais se apoiaram. Dessa forma não se pode fazer generalizações ou inferências a outras populações.

Os resultados da investigação permitiram compreender as percepções e significados atribuídos em função da doença e do tratamento hemodialítico, isto de forma singular, mas com enorme representação para cada ser portador da insuficiência renal.

O fato de conviver com a doença renal e a obrigatoriedade de realização do tratamento envolve aspectos complexos, sendo diversas as transformações físicas e mudanças ocorridas na vida desses pacientes; o que gera afastamento das relações sociais, necessitando de reestruturação e adaptação a esta nova realidade.

Conclui-se que que, o tratamento é enfrentado positivamente quando o paciente vê a terapêutica como uma forma de manutenção da vida. Já a dimensão negativa relaciona-se com sentimentos de dependência da máquina de hemodiálise e de limitações. As expectativas acerca do transplanta renal foram ambivalentes, uma vez que, alguns manifestavam interesse em transplantar, enquanto que outros, por causas específicas, não vislumbram sua realização.

A família e o apego à religião são apontados como importantes fontes de apoio à pessoa em tratamento hemodialítico, que reconhece esse envolvimento como aspectos significantes para melhor adesão à terapêutica; e encontrando uma forma mais otimista de se passar pelo tratamento, enfrentando as restrições impostas, aceitando a sua real condição, procurando adaptar-se e elaborando expectativas diversificadas.

Além disso, faz-se necessária uma equipe multiprofissional sensível a compreender as circunstâncias do cotidiano que fazem parte da existência dessas pessoas, buscando proporcionar-lhes acompanhamento eficiente por meio de um trabalho interdisciplinar, científico e humanizado. É necessário a presença de um ser humano que almeja ver atendido, ou pelo menos, ser compreendido em suas expectativas ou desesperanças, como condição primeira, ser respeitado em sua individualidade.

Enfim, este estudo oportunizou discussões que vão além do desempenho técnico. Recomenda-se que novos estudos abordem a temática das representações da hemodiálise, visando um aprofundamento das expectativas do paciente renal crônico acerca do transplante, pois nessa pesquisa os anseios em ser transplantado apresentaram-se de forma ambivalente.

 

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Recibido: 23 de agosto de 2013.
Aprobado: 17 de abril de 2014.

 

 

Cristiane Ferreira Silva . Enfermeira graduada pelas Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros. Rua Boa Esperança, 320, Sumaré, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Telefone: (038)32231575. E-mail: crisferreirasilva@hotmail.com

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