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Revista Cubana de Enfermería
On-line version ISSN 1561-2961
Rev Cubana Enfermer vol.31 no.2 Ciudad de la Habana abr.-June 2015
ARTÍCULO ORIGINAL
O cuidar em saúde mental: contribuições fenomenológicas acerca de mulheres trabalhadoras em situação de climatério
El cuidado de la salud mental: contribuciones fenomenológicas sobre las mujeres trabajadoras en situación de climaterio
The health mental care: phenomenological contributions about working woman in climaterio situation
Glaucimara Riguete de Souza Soares, Elaine Antunes Cortez, Rose Mary Costa Rosa Andrade Silva, Selma Petra Chaves Sá, Sonia Mara Faria Simoes
Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, UFF. Niterói, Río de Janeiro, Brasil
RESUMO
Introdução: em 2050 poderá existir mais de dois milhões de pessoas acima dos 60 anos. Pensando na longevidade feminina é oportuno apresentar reflexões acerca da Saúde da Mental das Mulheres Trabalhadoras em Situação de Climatério.
Objetivo: compreender o significado que a mulher trabalhadora atribui à vivência do climatério e suas interfaces em relação à Saúde Mental.
Métodos: estudo qualitativo, de abordagem fenomenológica heideggeriana, entrevista de modalidade fenomenológica. Foram depoentes dezoito professoras do ensino médio que estavam no climatério.
Resultados: unidades de significado: 1 - sente cansaço, irritação, fica sensível, ansiosa, chora, sofre... muda hábitos/comportamentos... São coisas estranhas e que nunca teve, que não sabe explicar, que vêm e vão de repente, que a preocupam...; 2 - aceita como parte da vida de toda mulher e enfrenta: se controlando, levando na brincadeira e se ocupando com outras atividades. Porém, percebe as modificações trazidas pelo tempo, refere que já não consegue mais fazer as coisas como fazia. Preocupa-se mais com a vida e sente necessidade de mudanças. A interpretação destas unidades está na compreensão vaga e mediana e hermenêutica.
Conclusão: As contribuições para o Cuidado em Saúde Mental e Enfermagem é que profissionais repensem sua atuação quanto ao preparo da mulher adulta para o climatério/ menopausa, desviando-se de um modelo assistencial para um atendimento holístico e humanizado na adultez, que forneça informações, conceitos e liberdade para questionamentos. Pensa-se, serem estas, estratégias formadoras de um Cuidado Humano necessário em Saúde.
Palavras-chave: climatério, saúde da mulher, saúde mental, cuidados de enfermagem, saúde do trabalhador.
INTRODUÇÃO
O envelhecimento até algumas décadas era uma concepção abstrata, que poucos conseguiam alcançar; mas atualmente é uma perspectiva humana mundial. A vida está longa e se estima que para o ano de 2050 exista mais de dois milhões de pessoas acima dos 60 anos. 1
Neste sentido, pensando na longevidade feminina, este artigo se propõe a apresentar reflexões acerca da Saúde da Mental das Mulheres Trabalhadoras em Situação de Climatério como resultado extraído da Dissertação de Mestrado Acadêmico - “Vivência de mulheres trabalhadoras em situação de climatério: uma compreensão fenomenológica”. Vale ressaltar que a Saúde Mental, que era só focada na patologia psiquiátrica, atualmente objetiva estudar o contexto biopsicossocial no qual o indivíduo está inserido.1
Climatério deriva do grego Klimakter e significa o ponto crítico da vida humana.2 O Ministério da Saúde do Brasil revela ser uma fase biológica da vida (35 – 65 anos de idade), que compreende a transição entre o período reprodutivo e o não reprodutivo da mulher, sendo a menopausa o marco desta fase, que corresponde ao último ciclo menstrual, e somente é reconhecida depois de passados 12 meses desta ocorrência, normalmente em torno dos 48 aos 50 anos de idade.3
Neste período, são relatadas alterações no organismo que, pela sua amplitude, constituem a síndrome climatérica com queixas relacionadas a ondas de calor, osteoporose, dores musculares inespecíficas, enxaquecas, diabetes, hipertensão, atrofia e secura vaginal, insônia, depressão e ansiedade.4
O período considerado como climatério pode coincidir, além dos sintomas relacionados acima, com outros acontecimentos capazes de provocar na mulher um repensar sobre sua existência. Destacam-se o processo de envelhecimento, a possível perda de pessoas queridas, saída dos filhos de casa em busca de independência e a dificuldade no relacionamento conjugal.5
Estas revelações da literatura científica contribuíram para a reflexão da temática acerca do climatério e a saúde mental nesta fase da vida.
Algumas considerações são pertinentes e justificam a compreensão do climatério e a saúde mental da mulher, pois, sabe-se as circunstâncias e modificações psicossociais em que vem passando a mulher nesta década. Uma delas e que chama a atenção é que mulheres modernas estão inseridas no mundo do trabalho e, deste modo, passarão pela fase do climatério vinculadas às atividades laborais, estreitando-se a duplicidade de opiniões acerca de seus desejos e ansiedades. É de conhecimento do senso comum a discriminação que as mulheres sofrem no seu dia-a-dia e, principalmente, no mercado de trabalho, sendo consideradas frágeis e inferiores. 6 Preconceito e discriminação produzem efeitos danosos na Saúde da Mulher de modo geral, ainda assim a discriminação racial e de gênero têm repercussões nos serviços de saúde, inclusive no que diz respeito à Assistência de Enfermagem. 7
Em busca da compreensão dos significados acerca do processo de vida no climatério vinculado ao exercício do trabalho e suas inferências na Saúde Mental, pretende-se desvelar a compreensão desse processo a partir dos aspectos factuais, porém, buscando um olhar fenomenal que contribua para um envelhecimento saudável, distante de tratamentos medicamentosos desnecessários e incompreensão da vivência por parte dos profissionais de saúde e pessoas de convivência cotidiana. O conceito do processo saúde-doença tem evoluído, nas últimas décadas, do foco principal nas doenças e morte para concepções mais vinculadas à qualidade de vida da população e, para uma aproximação positiva da Saúde como um conceito social no dia a dia das pessoas.8
Os apontamentos acima foram motivadores para a realização deste estudo percebendo, no exercer da prática em Enfermagem, lacunas no entendimento e atendimento dos profissionais frente à mulher em fase de climatério. Pretende-se ampliar o entendimento do profissional para que mais conhecimento chegue às mulheres e àquelas pessoas que convivem com elas no dia a dia.
Diante disso, este artigo tem como objetivo: compreender o significado que a mulher trabalhadora atribui à vivência do climatério e suas interfaces em relação à Saúde Mental.
MÉTODOS
Este é um estudo qualitativo, de natureza descritiva, utilizando a abordagem fenomenológica à luz dos conceitos de Martin Heidegger. Este defendeu não separar a razão da emoção e, sim, questionar o modo de ser na existência do humano, no modo essencial de viver, que se fundamenta de diversas maneiras.8 Neste modelo de entendimento das coisas mundanas se concebe num tom afetivo e afinado como uma construção ontológica da existência do humano - ser-aí, que o permite revelar-se para o mundo.9
Pensando na possibilidade da compreensão da mulher trabalhadora em situação de climatério e suas interfaces para a Saúde Mental, o encontro da entrevistadora com a depoente pretende promover o alongar da comunicação, a amplitude do entendimento e o ganho do conhecimento acerca desta extensa fase de vida.
Realizou-se entrevista de modalidade fenomenológica que oportuniza mostrar, descrever e compreender as vivências através de uma relação intersubjetiva mediada pela empatia e redução de pressupostos.9 Foram formuladas as questões norteadoras:
- O que é, para você, vivenciar o climatério?
- O que significa para você ser mulher-professora em situação de climatério?
A realização das entrevistas ocorreu no período de março a junho de 2011, em um colégio estadual do município de Trajano de Morais-RJ, sob número de aprovação 308/2010 do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina/ Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense. O número total de entrevistas não foi definido antecipadamente, pois se pensou em atender à apreensão dos significados que apontassem para o desvelamento do fenômeno que se encontrava encoberto. Foram depoentes dezoito professoras do ensino médio, recrutadas pelo contato pesquisadora – participante no próprio local de trabalho, aquelas que desejaram participar livremente das entrevistas mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram identificadas por pseudônimos de flores, sendo critério de inclusão estar na faixa etária de 35 a 65 anos de idade, que corresponde ao tempo de vida no climatério. A escolha pela profissão de professora se deu pela percepção destas mulheres não estarem envolvidas somente com o mundo da casa e do trabalho, mas também por serem responsáveis pela educação de jovens e adolescentes, sendo esta uma tripla jornada feminina.
Frente às entrevistas gravadas em mp4, o transcorrer das mesmas se deu na íntegra. Para a análise, compreende o método fenomenológico em Heidegger a criação de: unidades de significado, compreensão vaga e mediana e hermenêutica. Durante a elaboração destas fases de análise do método há um compreender, onde Heidegger afirma que é no compreender que a presença projeta seu ser para possibilidades e, projetadas, acontece a interpretação, que é um projetar inerente a este compreender. 9
RESULTADOS
Na possibilidade da compreensão do objetivo de pesquisa proposto, de se mostrar o fenômeno, apresenta-se as unidades de significado, com as falas das depoentes, como primeira etapa do método heideggeriano.
- Sente cansaço, irritação, fica sensível, ansiosa, chora, sofre... muda hábitos/comportamentos... São coisas estranhas e que nunca teve, que não sabe explicar, que vêm e vão de repente, que a preocupam...
- A gente fica mais impaciente né! [...] ... coisa que eu nunca tinha tido também. (JASMIM)
- Às vezes você está mais sensível num dia, no outro mais fragilizada e, às vezes, você atribui isso à própria profissão, ao dia a dia e não ao climatério. (GIRASSOL)
- A gente sempre imagina que não vai viver determinadas coisas, não em termos de saúde. (MADRESSILVA)
- Eu só fico assim preocupada em relação à doença... (DÁLIA)
- Eu fico irritada... bem irritada porque não é só o calor, é uma coisa assim na cabeça, é um mal estar mesmo! (BEGÔNIA)
- Noto minha alteração mais pelo lado psicológico . [...] Um pouco assim de tendência a uma depressão. [...] É muita preocupação... com a vida e sem saber motivo! (MAGNÓLIA)
- [...] A gente às vezes também fica muito apreensiva, nervosa, qualquer coisa irrita. (ROSA)
- ... eu acho que aquele enorme desequilibro emocional assim tipo: muito instável, sensível, amava, odiava, chorava, ria... em espaços, que eu hoje julgo, a frequência dessas mudanças era grande. [...] Era um período esquisito. (AZALÉIA)
- A pessoa perde um pouco de paciência, acho que como se tivesse um pouco antes de ficar menstruada, mas... mais cansada, mais irritada, é... preocupada com tudo. (VIOLETA)
- ... as coisas vão mudando até que quando chega nessa época: EXPLODE! Para mim foi assim, tudo foi acontecendo. [...] Isso é uma coisa horrível! [...] E, isso tudo me aborrece. É uma avalanche de coisas, todas em uma hora só e eu não estou aceitando isso muito bem não! (CAMÉLIA)
- ... sentia umas coisas estranhas. [...] Um turbilhão.(FLOR DO CAMPO)
- Eu fiquei insegura, fiquei medrosa porque de cara né, primeira coisa de pressão alta que eu tive: meu susto foi por causa disso. (MIOSÓTIS)
- Eu “tava” me sentindo mal psicologicamente e física porque eu “tava” numa depressão muito ruim, bem profunda. [...] Tudo isso mexeu muito com a minha cabeça. [...] Então, nessa fase, essa ansiedade aumentou um pouco.(flor de lótus)
- Está sendo a pior fase da minha vida. [...] Na verdade eu não entendia muito bem o termo climatério na época que eu comecei a viver o problema, eu não sabia o que era. (FLOR DE LIS)
- Aceita como parte da vida de toda mulher e enfrenta: se controlando, levando na brincadeira e se ocupando com outras atividades. Porém, percebe as modificações trazidas pelo tempo, refere que já não consegue mais fazer as coisas como fazia. Preocupa-se mais com a vida e sente necessidade de mudanças...
- Eu sei lá, eu sabia o que era, e, portanto encarava numa boa. (JASMIM)
- Se achar que está doente, aí piora! [...] Tudo que acontece dizem que é porque se está na menopausa! Passam a fazer crítica e não entendem que isso faz parte da vida da mulher!(GIRASSOL)
- pode até ser coisa da minha cabeça eu não sei, eu estou achando que há coisas que eu quero fazer e o meu tempo já está se esgotando. […] Eu não sei se tem influência do climatério, mas é aquilo que eu “tava” falando com você, eu sinto uma necessidade muito grande de mudança, mas eu sinto que a mudança não vem... eu sinto que se não acontecer, eu não vou fazer acontecer! (MADRESSILVA)
- dá impressão que a gente valoriza mais os problemas, se preocupa mais... dá mais importância às vezes a uma coisa que nem é tão importante, entendeu? (MAGNÓLIA)
- Procuro levar as coisas da maneira que eu consigo... (ROSA)
- Eu acho que precisamos romper os paradigmas, passar a viver a nossa própria história! (AZALÉIA)
- Tudo estava bom para mim, agora não: já tenho bastante meus limites! (VIOLETA)
- a gente fica lembrando uma sensação de tempo perdido. A gente tem isso também, parece que a gente, assim, envelheceu de uma hora para outra e que nem sabia que ia acontecer isso. (CAMÉLIA)
- Sei lá, eu estava sentindo que eu estava ficando velha. É, sei lá, estava meio irritada, descontente. Foi uma vivência bem pesada para mim! (FLOR DO CAMPO)
- Um dia eu imaginei que eu fosse ficar estressada, rabugenta, mas estou levando isso numa boa. (GARDÊNIA)
- Você vai ficar triste? Ficar resmungando? Você vai remoer seu problema dia e noite? Não! Você tem que tentar né... (MIOSÓTIS)
- Olha eu sou uma pessoa que sempre gostei de estudar, de ler muito, de preencher o meu tempo com alguma coisa que eu gosto, entendeu? [...] Então eu tenho muitas ocupações... [...] A gente sente que a força da gente, a energia já não é a mesma de quando a gente tinha 23 anos, 30 anos de idade. Eu me vejo numa situação que apesar de eu fazer força, ir contra minha natureza, tem horas que realmente eu me dou conta de que eu não consigo mais fazer as coisas que eu fazia... (FLOR DE LÓTUS)
- ...hoje as coisas estão mais abertas, hoje tem internet, várias opções! Hoje as pessoas vão entendendo, vão compreendendo... (FLOR DE LIS)
Apresentadas as revelações acerca das interfaces do Climatério na Saúde Mental em unidades de significado, serão apresentadas na seção a seguir a compreensão vaga e mediana e hermenêutica em Heidegger, respeitando a segunda e terceira etapa do método.
DISCUSSÃO
O primeiro momento metódico em Heidegger é a compreensão vaga e mediana, que corresponde ao compreender surgido das falas. Para Heidegger é no compreender que a presença projeta seu ser para possibilidades.10
Perante à primeira unidade de significado a sintomatologia física é o alarme que faz a mulher se sentir diferente, que está iniciando um outro período de sua vida: fisicamente se sentem cansadas e perdem o desejo pela sexualidade. Identificadas as mudanças com o corpo, tornam-se perceptíveis as alterações de cunho emocional: nervosismo, irritação, insegurança, sensações estranhas que não sabem explicar.
Na segunda unidade de significado, o ser-mulher-trabalhadora-em-situação-de-climatério, na proposta da compreensão heideggeriana, libera em suas falas que decide aceitar como parte da vida e enfrentar através das estratégias de se controlar, levar na brincadeira e se ocupar com outras atividades.
As professoras revelaram perceber um tempo que já não é mais o mesmo. A temporalidade heideggeriana se passa no domínio da consciência onde o passado e o futuro embora sejam referências do antes e do depois, se tornam referência no presente;10 e isto se revela nos depoimentos quando dizem perceber que já não conseguem mais fazer as coisas como fazia, que isto traz preocupação em relação à vida e faz sentir necessidade de mudanças.
A projeção das falas na compreensão vaga e mediana possui a possibilidade própria de se elaborar em formas; e chamamos de interpretação essa elaboração.10 A interpretação é o último momento metódico do método heideggeriano que se chama hermenêutica, que é o desenvolvimento de possibilidades projetadas na compreensão.10
Na hermenêutica, os depoimentos lançados frente à questão do compreender em Heidegger revelam que a presença – climatério - projeta seu ser - a mulher trabalhadora - para possibilidades, e esse ser para possibilidades é um poder-ser que se repercute sobre a presença em aberturas - estranhar, perceber, decidir e enfrentar conforme revelado nas falas. A presença se compreende a partir de sua existência no mundo.11
É relevante destacar nesta discussão que a surpresa diante do tempo que se modifica no climatério como no depoimento de Madressilva é a não compreensão do vivido, o que torna instigante ampliar as discussões acerca desta temática na grande área: Saúde Humana.
No que tange ao contexto da Saúde Mental, entende-se a partir das falas que a presença desta mulher é um sendo que se relaciona com o ser numa compreensão enraizada na cotidianidade e por isso existe; apenas existe encoberta nas coisas dotadas de valor, próprio do que é ôntico e não ontológico.12 O ôntico busca a descrição, remete aos fatos, apresenta-se como algo dado, estático; já o ontológico busca a compreensão, remete ao ser, um quem desconhecido.9,11,13
A mulher-trabalhadora, em situação de climatério, na expressividade da vivência do fenômeno e suas interfaces quanto à Saúde Mental se mostrou, em princípio numa condição de ser simplesmente dado, quando nesta fase de vida vieram ao encontro de seu mundo manifestações nunca sentidas, que descrevem a estranheza diante das sensações vividas, sentimento que explica novamente a não compreensão da fase climatérica. Este mundo se mostrou dominado pela expressividade do fenômeno – climatério - que “é o que se revela, o que se mostra em si mesmo. Os fenômenos constituem, pois, a totalidade do que está à luz do dia ou se pode pôr à luz .12
Nos modos de ser-em, ser-mulher-trabalhadora-no-climatério, que possui a constituição essencial de ser-no-mundo 11, as depoentes se vêem na necessidade de ter que fazer alguma coisa: produzir, tratar, cuidar, não ficar pensando no seu problema dia e noite como disse Miosótis. Deste modo, em seus relatos disseram passar a aceitar sua nova possibilidade de vida: estar no climatério! Percebem, no modo de estar-só, que faz parte da vida de toda mulher, sendo preciso enfrentar para poder viver. São alternativas criadas pelas depoentes: controlar-se e se ocupar com atividades relacionadas ao mundo da internet, como falou Flor de Lis.
Os fenômenos desvelados pelas mulheres trabalhadoras em fase de climatério e suas interfaces em relação à Saúde Mental de: solidão, aceitação, irritabilidade, incompreensão, enfrentamento, corroboram com pesquisas recentes na área. Tais pesquisas revelam que são temas pouco explorados: medicalização do corpo feminino nas diferentes fases da vida; desigualdades socioeconômicas, dimensão étnico-racial e de gênero; determinantes biológicos e socioculturais dos problemas de saúde associados ao climatério.14 Ainda assim, a saúde mental das mulheres foi eleita como prioridade de temas sendo uma determinação de gênero. A prevalência de transtornos mentais é elevada em mulheres no climatério, e este fato se associa com repercussões negativas sobre a qualidade de vida.15 Uma destas repercussões durante o climatério/ menopausa está na qualidade do sono, sendo este um importante determinante para a saúde das mulheres, que quando sofrem de insônia nessa fase da vida não são diagnosticadas, tampouco tratadas.16
Em conclusão, esta pesquisa se originou quando emergiu o interesse em dar voz à mulher trabalhadora como um ser que vivencia o fenômeno climatério, já que se manifesta em um tempo extenso da vida.
A expectativa de vida aumentada demonstra que inúmeras mulheres passarão por toda a fase exigindo, assim, atenção e cuidados de enfermagem que auxiliem no processo de um envelhecimento saudável. Envelhecer com qualidade é permitir que a mulher, protagonista da vivência, possa expressar o que pensa, o que sente e o que deseja ao passar de uma fase reprodutiva para não reprodutiva.
No sentido do expressar-se livremente, princípio fundamental da fenomenologia heideggeriana, quanto ao contexto de se buscar revelar as inferências na Saúde Mental do ser-mulher-trabalhadora-no-climatério, esta pesquisa revelou que as mulheres se surpreenderam com a mudança quando se perceberam fisicamente cansadas. O sintoma físico é o provocador da aparição de perturbações mentais relacionadas à sensibilidade, ansiedade, sofrimento e busca por explicações a respeito do que está acontecendo, do porquê ela está mudando seu corpo, sua mente e seus desejos.
As mulheres revelaram um sentimento de solidão na vivência do fenômeno e disseram que em meio ao sofrimento físico e psíquico, que as descompensam mentalmente, passam a entender com suas próprias forças que estão em outro tempo de suas vidas. Quando percebem este tempo que se modificou, aceitam o climatério como parte da vida e decidem enfrentá-lo.
A limitação desta pesquisa aparece quando na possibilidade da mulher se mostrar em entrevistas acerca do fenômeno, elas revelam a fragilidade do atendimento nos serviços de saúde, já que não encontram esclarecimentos suficientes para suas dúvidas, angústias e receios. Deve-se ressaltar que grande parte das mulheres não se sente preparada para envelhecer, passam por uma estranheza de sensações no tempo de vida do climatério que culmina na menopausa e expressam fortemente a angústia do não compreender a fase que está vivendo.
Tornam-se possibilidades promover a expansão de pesquisas sobre o climatério num contexto interdisciplinar, propagando entre os diversos profissionais que constituem a Grande Área - Saúde a necessidade de ofertar um atendimento de mais qualidade e menos incertezas. No contexto da Enfermagem o alcance está em contribuir para um repensar da prática quanto ao preparo da mulher adulta para o climatério/ menopausa, desviando-se de um modelo assistencial com enfoque ginecológico para uma proposta de atendimento que permita o diálogo com a mulher na fase adulta, fornecendo informações, conceitos e liberdade de questionamentos. Pensa-se, ser estas, estratégias formadoras de um Cuidado Humano necessário em Enfermagem.
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Recibido: 10 de diciembre de 2014.
Aprobado: 20 de agosto de 2015.
Glaucimara Riguete Glau. Universidade Federal Fluminense. Enfermeira. Professora Assistente A no Curso de Enfermagem e Obstetrícia da UFRJ em Macaé-RJ. Doutoranda da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, UFF, Niterói-RJ. Brasil.
E-mail: glau_riguete@hotmail.com