INTRODUÇÃO
Dentre as modalidades esportivas praticadas por pessoas com lesão medular espinhal está o Rugby em cadeira de rodas (RCR). Essa modalidade paralímpica surgiu em 1977, no Canadá, e rapidamente desenvolveu-se pelo mundo. Seus primeiros competidores foram atletas com lesão medular espinhal cervical, no entanto, novos atletas com outras deficiências nos quatro membros estão atualmente inseridos neste esporte (WWR, 2022). Com a evolução do esporte paralímpico surgiu à necessidade de cada modalidade desenvolver uma Classificação Funcional (CF) para equiparar a condição de cada atleta, devido ao aumento da competitividade das diversas modalidades.
A elegibilidade do RCR é a tetraplegia ou a tetraequivalência (acometimento nos quatros membros) que corresponde a outras doenças (paralisia cerebral, poliomielite, má formação congênita, etc). A classificação inclui de 0,5 a 3,5, com variação de 0,5 pontos, sendo que, quanto mais baixa a classe esportiva maior o nível da lesão medular espinhal ou maior o acometimento estrutural dos 4 membros por outro tipo de condição de saúde (WWR, 2022). No RCR a classificação é composta por três fases distintas: Avaliação física, avaliação da técnica e avaliação por observação, que consiste na observação de atividades especificas realizadas em quadra. As atividades específicas do RCR consistem no desempenho das atividades na cadeira de rodas e com a bola (WWR, 2022).
As questões relativas à agregação de medidas usadas na classificação representam ameaças significativas à validade desse sistema, sendo necessária a aquisição de métodos instrumentais para melhor avaliar o atleta (Mann, et. al. 2021). Os princípios da classificação esportiva para atletas com deficiência têm função de extrema importância na determinação das habilidades ou inabilidades, para assegurar a igualdade na competição (Silva & Mello, 2021). Também, por motivos parecidos, em 1993, a Organização Mundial de Saúde (OMS), deu início a um processo de revisão da Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens, que viria a dar origem à Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), contando com uma grande participação internacional (diferentes países e entidades, grupos de trabalho, organizações não governamentais) (OMS, 2004).
Com isso, o objetivo desta pesquisa foi descrever a aproximação entre os dois sistemas de classificação: Classificação Funcional do RCR e Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), por entender que a aplicação da CIF muito pode contribuir para a consolidação e ampliação da CF do RCR.
MATERIAIS E MÉTODOS
Essa pesquisa foi conduzida por meio do método observacional transversal por se tratar de um estudo piloto realizado com atletas com lesão medular espinhal (tetraplegia) do time de RCR Minas Quad Rugby. O time é constituído por 16 atletas, sendo que 15 possuem tetraplegia, 1 atleta possui má formação congênita, e apenas 13 possuem CF definida pela WWR. Como critérios de inclusão e exclusão na pesquisa, foram excluídos do estudo atletas que possuíssem outras deficiências e atletas que ainda não possuem CF definida pela Associação Brasileira de Rugby em cadeira de rodas (ABRC). Sendo assim, optou-se por avaliar somente 12 atletas com deficiência física que tivessem diagnóstico médico de lesão medular espinhal na cervical e com CF do RCR definida, para garantir maior uniformidade à amostra nesse estudo preliminar.
O estudo possui a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (CAAE: 64803517. 4.0000.5137) e todos os atletas participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A coleta de dados nos atletas do time Minas Quad Rugby ocorreu por meio da realização da avaliação fisioterapêutica contextualizada na CIF pela Medida de Independência Funcional (MIF), e a própria CF de cada atleta. Esse processo de avaliação observacional ocorreu apenas 1 vez durante o mês de maio de 2017, e foi aplicado pela mesma avaliadora em todos os atletas.
O processo de tabulação dos dados foi realizado por meio do Microsoft Excel 2010, a análise estatística e descritiva dos dados foi feita pelo software IBM SPSS 17.0 (IBM Statistical Package of Social Science).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A aplicação de instrumentos de medida que permita a classificação de indivíduos dentro de uma classe ou a comparação de sua capacidade e performance em diferentes momentos, faz parte da avaliação da funcionalidade das pessoas. Foram avaliados 12 atletas do time Minas Quad Rugby, com média de idade de 31, 38 anos (DP 6,98 anos). A CF e demais caracterizações encontram-se apresentadas na tabela 1.
Tabela 1 Resultados da CF, idade, condição de saúde dos atletas e avaliação funcional
ATLETA | CONDIÇÃO DE SAÚDE | IDADE | CF | AVALIAÇÃO FUNCIONAL |
---|---|---|---|---|
Tetraplegia - ASIA A | 26 anos | 2,0 | 100 | |
Tetraplegia - ASIA A | 27 anos | 2,0 | 101 | |
Tetraplegia - ASIA A | 24 anos | 2,5 | 94 | |
Tetraplegia - ASIA A | 28 anos | 3,0 | 102 | |
Tetraplegia - ASIA A | 35 anos | 0,5 | 69 | |
Tetraplegia - ASIA A | 27 anos | 1,5 | 86 | |
Tetraplegia - ASIA A | 34 anos | 1,0 | 63 | |
Tetraplegia - ASIA A | 44 anos | 1,5 | 83 | |
Tetraplegia - ASIA A | 46 anos | 2,5 | 101 | |
Tetraplegia - ASIA A | 31 anos | 0,5 | 51 | |
Tetraplegia - ASIA B | 25 anos | 1,5 | 56 | |
Tetraplegia - ASIA A | 29 anos | 0,5 | 54 |
Resultados obtidos na pesquisa, 2017. (CF = Classificação Funcional).
A maioria dos atletas foram classificados como ASIA A, o que caracteriza lesão medular espinhal completa, porém, cada atleta possui a lesão medular em um nível neurológico diferente, mas apresentaram bons resultados na avaliação funcional. Vale ressaltar que todos os atletas possuem a classificação da American Spinal Injury Association (ASIA) realizada previamente na rede Sarah de Hospitais de Reabilitação na unidade Belo Horizonte.
As classes funcionais dos atletas avaliados do time Minas Quad Rugby incluíram 3 atletas com classe de 0.5; 1 atleta de 1.0; 3 atletas com a classe de 1.5; 2 atletas com classe de 2.0; 2 atletas com classe de 2.5 e 1 atleta com classe de 3.0. Isso demonstra que 7 dos 12 atletas possuem baixa pontuação na CF, sendo que, estes atletas possuem menor capacidade funcional comparados aos atletas com classes mais altas (Bauerfeind. et al, 2015; Bazanella. et al, 2018).
Os resultados da avaliação funcional variam de 54 a 102 na pontuação total, sendo que nesse estudo a menor pontuação na avaliação também resultou em menor CF do atleta, o que nos remete a perceber que os atletas com baixa pontuação na CF são atletas com uma limitação de autonomia e independência nas atividadesde vida diária (Bazanella. et al, 2018).
Em 2011, Tweedy & Vanlandewijck foram pioneiros em evidenciar em sua pesquisa que funções e estruturas do corpo, e atividades são domínios da CIF presentes em códigos de CF do esporte paralímpico, como pôde ser observado nos resultados da tabela 1 desse estudo. Além disso, Tweedy & Vanlandewijck, (2011) propôs aplicar a linguagem e a estrutura da CIF ao contexto da classificação funcional e identificou algumas aproximações, como o uso de termos-chave claros e aceitos internacionalmente.
Foi demonstrado empiricamente pelos autores Tweedy & Vanlandewijck, (2011) que: claras definições melhoram a confiabilidade dos sistemas de classificação, especialmente quando os sistemas são utilizados por pessoas de diversas origens profissionais e culturais; os conceitos de funcionalidade e de incapacidade que são descritos na CIF são contemporâneos e aceitos internacionalmente, incluindo a inter-relação entre deficiência e atividade que é central para a CF; o fato da terminologia da CIF ser usada em seis idiomas - inglês, francês, espanhol, russo, chinês e árabe - e, portanto, pessoas de outras origens linguísticas podem aprender sobre os principais aspectos deste sistema em sua própria língua, eliminando, assim, uma barreira significativa para a compreensão internacional da classificação paralímpica (Tweedy & Vanlandewijck, 2011).
Devido a estas vantagens, o Código de Classificação do Comitê Paralímpico Internacional pretende utilizar a linguagem e as definições da CIF, sendo baseada em evidências (Tweedy & Vanlandewijck, 2011; Tweedy, et. al.,2014; Mann, et. al. 2021). Para serem consistentes, os sistemas de classificação funcional também devem estar em conformidade com a linguagem e a estrutura da CIF (Tweedy & Vanlandewijck, 2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aproximação entre os sistemas de classificação promove a ampliação da concepção da CF e dos atributos necessários de um classificador do RCR, além da CF baseada em evidências, evitando assim possíveis equívocos nas atribuições das classes dos atletas de RCR.
Os estudos sobre a evolução da CF tem sido foco de algumas pesquisas. A aproximação da CF do RCR com aspectos da CIF é necessária para a comunicação entre ambas, onde os profissionais que atualmente estão inseridos com maior frequência são os profissionais de Educação física e os Fisioterapeutas. Sendo que ambos necessitam realizar previamente um curso sobre a CF do RCR para atuar como classificador funcional da modalidade. Isso possibilita realçar a importância do diálogo entre as duas áreas para além do contexto acadêmico.
Essa pesquisa apresenta um estudo inicial que vislumbra possibilidades futuras de continuidade para aproximação dos profissionais com o universo do esporte paralímpico, além de realçar a importância do trabalho da equipe multidisciplinar. O código de CF está em processo de reformulação, e esse pode ser um momento propício para investir em pesquisas que permitem identificar perspectivas de mudanças no código de classificação baseado em evidências e medidas quantitativas e qualitativas de avaliação.