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Luz

On-line version ISSN 1814-151X

Luz vol.22 no.3 Holguín July.-Sept. 2023  Epub Sep 15, 2023

 

Artículo Original

Observatorio de Acciones Afirmativas de la Universidad Federal de Santa Catarina. Pensando su reconfiguración

Observatório das Ações Afirmativas da Universidade Federal de Santa Catarina. Pensando sua configuração

Affirmative Action’s Observatory of the Federal University of Santa Catarina. Thinking of its reconfiguration

0000-0002-6206-0143Alexander Armando Cordovés-Santiesteban1  * 

1Universidad Internacional Iberoamericana - UNINI, México.

Resumen

Las políticas de acciones afirmativas (PAA) implementadas en las universidades brasileñas han modificado los ambientes universitarios. Su transformación como espacio intercultural ha sido importante, y ha exigido innumerables esfuerzos. Como herramienta para disminuir las desigualdades de acceso a uno de los espacios más desiguales, ha contribuido a transformaciones institucionales, personales, de relaciones, pero también ha generado resistencias. La implementación de políticas públicas no es un proceso llano, ni instantáneo. Uno de los dispositivos que se crean son los llamados observatorios sociales. En este trabajo se analiza el contexto de las PAA en la Universidad Federal de Santa Catarina, en Brasil, y la existencia del Observatorio de las Acciones Afirmativas, vinculado al Núcleo de estudios de Poblaciones Indígenas (NEPI). A partir de ello, se proponen algunos criterios que deberían atenderse para su eventual reorganización.

Palabras-clave: Observatorio de acciones afirmativas; Políticas afirmativas; UFSC; Brasil

Resumo

As políticas das ações afirmativas (PAA) implementadas nas universidades brasileiras têm modificado os ambientes universitários. A sua transformação como espaço intercultural tem sido importante e exige inúmeros esforços. Como ferramenta para reduzir as desigualdades de acesso a um dos espaços mais desiguais, tem contribuído também para outras transformações institucionais, pessoais e de relações. Mas também têm gerado resistências. A implementação de políticas públicas não é um processo tranquilo nem instantâneo. E quando o foco é modificar um sistema estruturalmente desigual, é importante acompanhar os processos envolvidos. Um dos dispositivos criados são os chamados observatórios sociais. Este artigo analisa o contexto das PAA na Universidade Federal de Santa Catarina, no Brasil, e a existência do Observatório das Ações Afirmativas, vinculado ao Núcleo de Estudo das Populações Indígenas (NEPI). Com base nisso, são propostos alguns critérios que devem ser atendidos para sua eventual reorganização.

Palavras-Chave: Observatório das ações afirmativas; Políticas afirmativas; UFSC; Brasil

Abstract

Affirmative action policies (AAP) implemented in Brazilian universities have modified university environments. Its transformation as an intercultural space has been important, and has required innumerable efforts. It has also contributed to other institutional, personal and relationship transformations, as a tool to reduce inequalities of access to one of the most unequal spaces. Nevertheless, it has also generated resistance. The implementation of public policies is not a smooth process, nor is it instantaneous. And when it comes to modifying a structurally uneven system, it is important to follow the processes involved. One of the devices that are created are the so-called social observatories. This paper analyzes the context of PAA at the Federal University of Santa Catarina in Brazil, and the existence of the Observatory of Affirmative Actions, linked to the Group of Researches on Indigenous Populations (NEPI). Based on this, some criteria are proposed aimed at its future reorganization.

Key words: Affirmative actions observatory; Affirmatives policies; UFSC; Brazil

Introdução

A transformação das universidades brasileiras com base nas Políticas de Ações afirmativas (PAA) teve um impacto indiscutível na sociedade toda. Porém, este tipo de transformação não é apenas

acompanhado por ações que favoreçam a sua implementação, mas também geram resistências diversas. Como está se tornando comum, a implementação de políticas sociais vem acompanhada de dispositivos que ajudam a monitorar o que está acontecendo. É o caso do Observatório das Ações Afirmativas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que, após vários anos de funcionamento, e em um ambiente de expansão e consolidação das PAA, faz-se necessário seu fortalecimento. Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo identificar os principais eixos sobre os quais se deve trabalhar para o fortalecimento do Observatório da UFSC.

O início do século XXI constituiu um divisor de águas ao se ativarem iniciativas que visavam diminuir as brechas existentes no acesso ao ensino superior brasileiro. Desde então, as políticas de ações afirmativas foram ganhando espaços legítimos e permitindo o acesso diferenciado de grupos historicamente desfavorecidos. Assim, essas políticas tentam reparar um histórico de desigualdades vinculadas a determinadas práticas sociais discriminatórias (Dentz, 2016; Sagaz, 2015).

Deste modo, as ações afirmativas constituem um reconhecimento às disparidades que se tem construído no decorrer do tempo, através da implementação de políticas excludentes

Esto es porque la justicia reparativa implica aceptar la existencia y pervivencia del racismo estructural-institucional-sistémico, y la complicidad y responsabilidad del Estado nacional en su creación, manutención y perpetuación (Walsh, 2011, p.207).

Mesmo sem atingir a raiz do problema, pelo fato de estarem permeadas de um sentido histórico e político, abrem-se novos “possíveis” no sentido de democratizar essas práticas, de diminuir as desigualdades entre vários segmentos da população, pudendo assumir “[...] diferentes perspectivas de ação reparadora, atendendo a “grupos” da população de acordo com as necessidades existentes” (Dentz, 2016, p.71). Nos espaços escolares, especialmente nos universitários, ações afirmativas se constituem como um embate à sua função de reprodução social, no sentido discutido por Bourdieu e Passeron (2014), tomando matizes de projeto político que transforma às universidades em contextos explicitamente interculturais.

Seguindo os argumentos de Dietz e Cortés (2011), uma interculturalidade ancorada em políticas educativas diferenciadas destinadas a grupos minoritários originários ou tradicionais, afastando-se da perspectiva europeia voltada aos imigrantes. Porém, uma interculturalidade que, ao contrário do que acontece em outros contextos, vai ao encontro de fazer transparecerem as múltiplas interseções que perpassam os contextos universitários brasileiros nos dias de hoje.

Foi o nomeado “debate anglo-saxão” quem discute a necessidade de ações afirmativas para empoderar minorias específicas, pensando em “multiculturalizar” a educação. Já no contexto da Europa continental há a urgência de transformar a incapacidade das sociedades maioritárias para se adaptar à florescente complexidade sociocultural e aos desafios que isso gera. No caso da América-latina, as narrativas das ações afirmativas vêm (re)configurando as relações das minorias com os estados (Dietz e Cortés, 2011). Não obstante estes autores reconhecerem no discurso multicultural os arranjos primeiros da virada intercultural, a noção de cultura do primeiro terminava escondendo as complexas diferenciações étnicas, de gênero, culturais, e assim por diante.

Desta forma, encaminhar estudos a auscultar os andamentos das ações afirmativas, segundo apontam Passos et al. (2016, p.10), “[...] se justifica pela importância política e social que assume a iniciativa de democratização do acesso à universidade de estudantes de escolas públicas, negros e indígenas [...]”. Os esforços desenvolvidos no ensino superior público brasileiro para implementar ações afirmativas já produziram mudanças normativas não somente no que tange ao acesso, mas nas propostas pedagógicas em algumas universidades e seus respectivos cursos (Passos et al., idem). Estas autoras apontam a pouca atenção que ganharam até agora as políticas de permanência dos alunos ingressantes por ações afirmativas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Além das críticas e a necessidade de aprimoramento permanente das políticas de ações afirmativas, produziram-se mudanças nas demandas acadêmicas, sociais e culturais no cotidiano universitário brasileiro. Nesse ambiente mais intercultural, afirma-se que as trajetórias universitárias dos que ingressam por ações afirmativas são com frequência interrompidas “[...] pela desistência, por abandonos e retornos, caracterizando um percurso escolar bastante irregular” (Ressurreição e Sampaio, 2015, p.112). No entanto, é pertinente questionar os argumentos ou padrões de comparação que sustentam essas afirmações, as que fazem pensar em percursos diferentes aos de alunos não cotistas e, por sinal, podem levar a análises pouco realistas. Esse tipo de apontamento merece algumas interrogações. Dentre outras: todos os cotistas estão ali representados? Os seus históricos e as trajetórias que constroem são se quer similares? Quanto de particular se apaga? Quais as estigmatizações e preconceitos que são fortalecidos?

Perante a complexidade dessa realidade é pertinente defender a necessidade de aprofundar no conhecimento de experiencias particulares, e fazer transparecer como é que as pessoas beneficiárias das ações afirmativas vivenciam o seu relacionamento com a universidade. Assim, Abu-Lughod (1991) defende a indagação de situações, configurações e histórias específicas, além de desvendar as formas em que suas experiências têm sido construídas historicamente e como mudaram ao longo do tempo. Para esta antropóloga, a etnografia do particular, ao se focar em indivíduos particulares e nos seus relacionamentos cambiantes, pode propiciar se subverterem a homogeneidade, a coerência e atemporalidade das análises que generalizam. A sua aposta é por uma abordagem que melhor comunique as ações de indivíduos que vivem suas vidas de maneira particular, ações nas quais se produzem os efeitos de processos que não são - só - locais e que, em longo prazo, se manifestam localmente e especificamente, se inscrevendo nos seus corpos e nas suas palavras.

Numa pesquisa muito interessante, que compara as estatísticas referentes a concluintes de cursos de graduação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mendes Junior (2014, p.46) apresenta resultados que chama de “reveladores”:

Ao contrário do que é percebido em estudos internacionais, no caso da UERJ são os cotistas que possuem as maiores taxas de graduação. Quando esse grupo é comparado aos demais alunos, percebe-se que 46,74% dos cotistas se formaram contra 42,15% dos não cotistas.

O hiato a favor dos cotistas se mostra claro em duas dimensões: conforme avançam os anos e à medida que diminui a dificuldade relativa. Em relação à primeira questão, as taxas de graduação entre os cotistas crescem num ritmo maior com o passar dos anos.

O que acontece em outras Instituições de Ensino Superior (IEs)? Quais os possíveis desdobramentos desse tipo de pesquisas? É igual em outras IEs? Acontece a mesma coisa com todos os ingressantes das ações afirmativas? Quais as experiências na pós-graduação?

A universidade que está se constituindo aos poucos, em decorrência da implementação de ações afirmativas, não só torna-se intercultural pela presença de pessoas tradicionalmente excluídas. Ao que parece, outras transformações têm de continuar acontecendo para que os efeitos não sejam, unicamente, presença.

Materiais e métodos

A discussão que ocorre neste trabalho foi possível a partir de uma extensa revisão documental, para que a história do Observatório das Ações Afirmativas da UFSC pudesse ser sistematizada. Por outro lado, foi possível uma sistematização das metodologias de vários dos observatórios sociais existentes no Brasil e na região da América Latina. Dessa forma, é possível estudar processos importantes para este trabalho, mas que não puderam ser observados diretamente.

Para tanto, foi necessário analisar o conteúdo desses documentos. No caso do Observatório da UFSC, foram analisados ​​todos os relatórios de trabalho existentes, os acervos das entrevistas e suas transcrições, os artigos científicos produzidos e as dissertações de conclusão de curso. Da mesma forma, foi necessária uma revisão das teses produzidas na UFSC referentes às PAA, e que não estavam registradas no Observatório. Para o que se usou o repositório institucional da Universidade.

Para documentos relacionados a outros observatórios e suas metodologias, foi necessária a busca de informações nas bases de dados brasileiras. Da mesma forma, foram pesquisadas bases de dados internacionais para enriquecer a análise com as informações disponíveis na região da América Latina.

Resultados e discussão

Segundo aponta Albornoz e Herschamann (2006, p.2)

os atuais observatórios tiveram sua origem na época da organização dos primeiros observatórios astronômicos modernos (durante os séculos XVIII e XIX em Greenwich, Paris, Cape Town e Washington D.C.). Ao mesmo tempo, contribuiu para o seu desenvolvimento a institucionalização e o largo uso dos serviços de estatística, por parte dos órgãos e entidades governamentais e administrativos, dentro do âmbito nacional e internacional.

No decorrer do tempo, observatórios tronaram-se úteis para monitorar diversos processos, incluindo os ditos sociais. Com independência da multiplicidade de maneiras para se definir o que é um observatório, em questões sociais destaca-se o caráter auxiliar, colegiado e plural desses dispositivos. Há coincidência em que as suas funções se relacionam com o monitoramento dos processos de democratização e a contribuição para o aprimoramento da gestão pública e as políticas de referência (Akerman et al., 1997; Albornoz e Herschmann, 2006; Schommer e Moraes, 2010).

Nas últimas décadas América-latina foi cenário da produção de experiências ligadas à criação de observatórios. Estes, segundo Schommer e Moraes (2010), podem ter funções educativas mesmo como equilibrar elementos de natureza técnica e política. Com focos e metodologias diversas, é comum a observação de atividades, a análise e monitoramento de indicadores, mesmo como a difusão de informações. Desta maneira, observatórios têm a possibilidade de influenciar processos administrativos, de criação de regras, de implementação de políticas, gerando efeitos mais amplos do que os objetivos originais.

Ainda sublinha Akerman (997) o valor da mobilização intersetorial nas diferentes experiências de criação de observatórios que analisa, e reconhece a dificuldades de implementar esse tipo de ações. Este autor aponta que o processo de construção de um observatório devia levar em contas:

  1. a concepção intersetorial;

  2. um olhar para o assunto em questão sob uma ótica diferente à naturalizada;

  3. a necessidade de elaboração de um modelo técnico;

  4. a definição de parâmetros ou indicadores;

  5. a problematização dos conceitos discutidos no observatório.

Numa breve revisão bibliográfica para a construção deste projeto desabrolha a diversidade de enfoques, metodologias e discussões em volta dos observatórios sociais. No entanto, se sublinha a importância da sua construção metodológica e seu constante aprimoramento e adaptabilidade às mudanças dos assuntos sobre os quais se focam.

A partir de 2008 a UFSC começou a realizar ações afirmativas no intuito diminuir as desigualdades no ingresso, cujo Programa foi regulamentado na Resolução Normativa nº 008/CUN/2007, de 10/07/2007. Desde então se aprimoram as políticas de ingresso e permanência e se avaliam os seus impactos, à vez que se desenvolvem pesquisas e projetos de extensão que buscam aprofundamentos diversos das temáticas articuladas à implementação do PAA. Deste modo

[...] foram definidas ações orientadoras para a preparação do acesso aos seus cursos de graduação, permanência, acompanhamento de egressos e aumento de vagas e cursos noturnos na Universidade (Tassinari et al., 2012, p.2).

Na primeira avaliação do PAA da UFSC, se ressalta que

[...] é preciso reconhecer que ações afirmativas para o ensino superior devem cotejar medidas para além do ingresso, posto que no interior da própria universidade, podem ser exercidos os mesmos filtros sociais que produzem obstáculos e, ou interdições àqueles com origem socioeconômica ou étnico-racial determinadas. Nesta ótica, o Programa da UFSC definiu suas AÇÕES ORIENTADORAS, entre as quais o acompanhamento e a permanência são desafio contínuo e merecem algumas considerações neste documento (Tassinari et al., 2012, p.6-7).

Na procura de subsídios diversos para compreender os efeitos da implementação das ações afirmativas na UFSC, várias pesquisas vêm acompanhado nos últimos anos os seus impactos em alunos ingressantes através de algumas das modalidades de ingresso. Desde vários olhares produziram-se pesquisas que vêm oferecendo dados valiosos ao aprimoramento do PAA da UFSC. Um dos esforços por produzir um feedback à UFSC foi idealizado pelo pesquisador José Nilton de Almeida, no âmbito de suas pesquisas de pós-doutorado realizadas junto ao Núcleo de Estudos de Populações Indígenas (NEPI) do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFSC. A primeira com um projeto intitulado “Cartografia das ações afirmativas na UFSC” (agosto/2011 a julho/2012), posteriormente renovada com o título “Ações afirmativas em face de novas reconfigurações na UFSC” (agosto/2012 a março/2013).

Como parte desses projetos, José Nilton de Almeida coordenou as atividades de um grupo de bolsistas REUNI do PPGAS/UFSC vinculados ao Projeto Institucional REUNI “Nenhum a Menos”, que visava acompanhar e evitar a evasão dos estudantes ingressos através do Programa de Ações Afirmativas nos cursos aos quais o Departamento de Antropologia oferece disciplinas: Antropologia, Ciências Sociais, Museologia, Serviço Social e Psicologia. O projeto era extensivo aos estudantes indígenas ingressos em todos os cursos da UFSC. Também foram incluídos no Projeto “Nenhum a Menos” os estudantes ingressos através do Nome Social. Foram feitas leituras e discussões preparatórias sobre as questões das ações afirmativas no Brasil, elaboradas estratégias para acompanhamento dos alunos e para realização das entrevistas. Naquele período foram feitas 10 entrevistas com os segmentos mencionados.

Num dos relatórios produzidos a partir destes projetos, foi ressaltada a necessidade a aprimorar estas políticas por Tassinari et al. (2013), numa análise do Programa de Ações Afirmativas da UFSC voltado às populações indígenas. No intuito de desvendar as particularidades das relações dos indígenas com a UFSC e os suportes institucionais à efetivação do Programa de Ações Afirmativas que tem estas populações como alvo. Com tudo, foram identificadas necessidades de melhoras no que tange ao preenchimento de vagas quanto à permanência dos estudantes no Ensino Superior. Mesmo como a urgência de apoio institucional em vários níveis. Assim, as demandas incluíam

Estratégias que auxiliem os estudantes indígenas a acompanhar as aulas; ampliação dos programas de assistência estudantil no que se refere à transporte e moradia; e valorização dos conhecimentos nativos e/ou oriundos da trajetória escolar desses estudantes, são iniciativas de suma importância para viabilizar a democratização do acesso ao ensino superior (Tassinari et al., 2013, p.233).

A continuidade destas primeiras experiências foi garantida em projetos no âmbito de Programas de Extensão com financiamento do PROEXT/MEC. Na sequência, o projeto de extensão Observatório das Ações Afirmativas da UFSC teve desdobramentos nos seguintes projetos: Projeto Promoção da Igualdade Étnico-Racial no Ensino Superior, executado em 2012 sob coordenação de Antonella Tassinari (Edital PROEXT/MEC 2011); Projeto Ações Afirmativas para a Promoção da Igualdade Étnico-Racial no Ensino Superior de Santa Catarina, executado em 2013 sob coordenação de Marcelo Tragtenberg (Edital PROEXT/MEC 2013); Projeto Indígenas e Negros no Ensino Superior e em Acervos Virtuais executado em 2014 sob coordenação de Edviges Ioris (Edital PROEXT/MEC 2014).

Além desses projetos, outras pesquisas continuaram a enriquecer o acervo do Observatório, à vez que contribuíram (e ainda contribuem) à formação dos autores. Assim, Sagaz (2015), Vezzani (2017) e Santin (2017) aprofundam nas trajetórias de estudantes da UFSC ingressantes nas vagas das ações afirmativas: negros, índios Laklaño-Xokleng e cotistas do curso de medicina respectivamente.

As três pesquisas descrevem as reconfigurações produzidas nas vidas dos(as) interlocutores(as), cotistas da UFSC, tanto para si próprios quanto para suas famílias. Uma questão recorrente é a necessidade de aprimorar os suportes institucionais para garantir a permanência. Igualmente, as narrativas dos(das) estudantes descrevem os obstáculos que têm que superar cotidianamente na universidade, não só em relação aos programas da UFSC, mas no referente ao preconceito.

Para além do observatório, outros núcleos favorecem outras pesquisas voltadas às ações afirmativas. Numa outra pesquisa focada em cotistas negras, também na UFSC, transparecem as histórias de alunas negras e os seus arranjos familiares. Dentz (2016) mostra, também, os obstáculos que foram enfrentado suas interlocutoras ao longo das trajetórias escolares, mesmo como a importância das famílias na compreensão dos códigos escolares. Em todas as pesquisas se ressalta o quanto contribuiu para alguns(mas) alunos(as) o fato de terem algum familiar com curso superior concluído ou em andamento (Dentz, 2016; Sagaz, 2015; Santin, 2017; Vezzani, 2017). Já Dentz (2016), além de se focar nas trajetórias escolares, aporta dados sobre as experiências laborais de uma interlocutora, o que se revela como um campo muito pouco explorado até agora.

A emergência do Observatório das Ações Afirmativas da UFSC como projeto de pós-doutorado marcou seus caminhos iniciais: buscou registrar as vivências e trajetórias escolares dos beneficiários das ações afirmativas na UFSC. Desta forma, aprofundou-se o conhecimento do perfil dos alunos, suas necessidades, expectativas e demandas específicas. O registro dessas experiências permitiu a construção de um acervo com as gravações e transcrições das entrevistas, que fica sob os cuidados do Núcleo de Estudos dos Povos Indígenas (NEPI).

O que se atingiu a partir do trabalho do Observatório das Ações Afirmativas da UFSC? Sem dúvida, essas entrevistas permitiram uma aproximação às PAA a partir das experiências de seus usuários, as que serviram de argumentos para que as equipes de pesquisa discutissem, nos marcos institucionais, ajustes nas políticas da UFSC, a criação de espaços e ferramentas institucionais. O impacto que isso teve na reconfiguração da Universidade como um ambiente mais diversificado e democrático ainda não foi sistematizado. As análises existentes são parciais, pois se focam em momentos específicos: relatórios de conclusão de pesquisas, pós-doutorados, relatórios de graduação; artigos científicos. Porém, uma sistematização do impacto que o Observatório teve na comunidade universitária é ainda uma dívida que deve ser zerada.

Considerando os múltiplos desdobramentos que teve em vários projetos, pode-se afirmar que foi alcançado:

  1. Mapeamento, desde a perspectiva dos alunos, alguns dos processos relacionados às PAA implementadas na UFSC;

  2. Contribuição com melhoras na implementação de políticas de ações afirmativas;

  3. O aprimoramento de alguns processos administrativos;

  4. Foram favorecidos os processos de entrada e permanência de diversos usuários das PAA;

  5. Formados profissionais/pesquisadores em vários níveis.

Mas, à medida que as políticas de ações afirmativas ganharam outras dimensões, com a promulgação de leis federais que ampliaram seu alcance, o Observatório das Ações Afirmativas da UFSC precisava de uma reconfiguração que lhe permitisse atender a novas necessidades.

Em uma busca no repositório institucional da UFSC, verifica-se que as pesquisas sobre as políticas das ações afirmativas existem para além do observatório, a partir de perspectivas que encontram arranjos na educação, na sociologia, na psicologia, nas relações internacionais, entre outras áreas. Ao mesmo tempo, cresceram os coletivos dentro da universidade que articulavam alunos negros, indígenas e LGBTI+. Também os serviços institucionais oferecidos aos ingressantes pelas PAA.

E, apenas para citar alguns exemplos, as pesquisas de Sagaz (2015), Vezzani (2017) e Santin (2017), expõem as complexidades enfrentadas pelos alunos beneficiados pelas PAA, bem como as diversas formas que escolhem para permanecer e sobreviver na faculdade. O desafio de ingressar na universidade pública federal, em muitos casos, não foi o principal nas experiências relatadas. Como também aponta Dentz (2016), além das dificuldades na universidade, o acesso ao mercado de trabalho continua sendo um espaço de disputas.

Considerando as novas condições, as experiências construídas e as referências de outros observatórios, esta nova reconfiguração deve atender:

  1. Passar de um projeto de extensão a um projeto institucional que faça parte (e/ou contraparte) das políticas de ações afirmativas da instituição;

  2. Estabelecer um caráter intersetorial, colegiado e interdisciplinar;

  3. Ampliar seu alcance a todos os processos de democratização vinculados às políticas das ações afirmativas;

  4. Ampliar os atores que são 'observados', como consequência lógica da ampliação dos processos, para que sejam analisados ​​os corpos docente, administrativo e de serviço, mesmo como todos os vinculados às PAA;

  5. Definir parâmetros e indicadores de observação e análise;

  6. Desenvolver um modelo técnico para as ações do observatório;

  7. Desenvolver a problematização teórica das práticas do observatório e das políticas de referência, o que permite uma observação não naturalizada das PAA;

  8. Desenvolver metodologias próprias, interdisciplinares e intersetoriais para atingir os objetivos a serem estabelecidos;

  9. Avaliar como um dos eixos a criação de ações de extensão que visem transformar a comunidade universitária em um ambiente democrático, não apenas no que se refere ao acesso garantido por lei, mas também em se transformar em um espaço democraticamente intercultural.

O desafio de um observatório dessa natureza vai além das intenções pessoais de qualquer pesquisador. Além da vontade política para iniciá-la, os recursos financeiros e a articulação de recursos humanos também devem constituir uma parte importante da diretriz.

Conclusões

A democratização da universidade por meio de políticas das ações afirmativas pode não ser a solução definitiva para as desigualdades existentes, mas é preciso reconhecer o seu um impacto visível na vida das pessoas beneficiadas. Mas, as políticas públicas não terminam na promulgação de leis (Cordovés, 2017), senão que sua implementação se adentra nas complexidades das práticas humanas. Isso significa que, para além de um caminho liso, tanto os processos universitários que precisam ser reorganizados, quanto os responsáveis ​​e os beneficiários, enfrentam uma série de desafios, problemas, obstáculos. Aqui podem se desvendar desde resistências abertas até formas mais sutis de obstaculizar a otimização do processo.

A observação destes processos de democratização tem sido importante para a implementação e o aprimoramento das PAA na UFSC. Porém, as condições atuais exigem que as formas de observar transbordem as práticas realizadas. Da mesma forma, exigem um observatório mais abrangente em relação às PAA. Mais uma vez, a colocação de Tassinari (2012) sobre a dificuldade de analisarmos as experiências escolares, constitui um alerta importante. As PAA, são experiências escolares que afetam aos atores envolvidos, seja para oferecer novas e melhores oportunidades, seja para desencadear conflitos com suas próprias formas de compreender o espaço universitário. Portanto, há uma responsabilidade ética no rumo que nossas análises tomam e nas responsabilidades assumidas com esse tipo de projeto.

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Recibido: 14 de Mayo de 2022; Aprobado: 22 de Mayo de 2022

*Autor para la correspondencia. Correo electrónico: alexander.cordoves@unini.edu.mx

El autor declara que no existe conflicto de intereses

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